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Derrotas em série de um governo fraco
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

Derrotas em série de um governo fraco

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Levará algum tempo para que possamos compreender com profundidade todas as profundas mudanças vividas pelo sistema político brasileiro nos últimos quatro anos. Mesmo que a arquitetura constitucional tenha se mantido semelhante no desenho da separação entre poderes, é indiscutível que o equilíbrio que se construiu desde 1988 foi, no seu âmago, rompido, abrindo espaço a uma nova dinâmica de composição entre forças.

O marco dessa passagem se deu em 2021, com a eleição de Arthur Lira para seu primeiro mandato como presidente da Câmara dos Deputados, derrotando Rodrigo Maia. Naquela ocasião, o governo de Jair Bolsonaro enfrentava dificuldades sensíveis na construção de uma coalizão que lhe permitisse respirar. As crises se sucediam e, na falta de um presidente que assumisse um papel de protagonismo político, abriu-se a oportunidade para que um ávido Lira ocupasse o papel de primeiro ministro de fato. As forças foram então redesenhadas: o Poder Legislativo assumiria uma proeminência difícil de contestar, materializada no controle do que importa, o orçamento.

O que se vivenciou no Brasil desde então foi algo, de certa forma, inédito em nossa história política: um recrudescimento da força do Poder Executivo em favor do Parlamento, uma dinâmica incomum em qualquer sistema presidencialista. O presidencialismo se caracteriza justamente pela centralização do governo pessoalidade de um chefe eleito pelo voto direto, aquele que conduz as políticas públicas conforme um projeto de poder. Foi assim quando Lula chegou ao poder em 2002, continuou assim quando ele foi reeleito em 2006.

Em 2023, Lula é pressionado por duas frentes diversas e antagônicas. De um lado, o Parlamento, que não se mostra disposto a abrir mão do poder conquistado; de outro, a própria sociedade civil que o elegeu e que resiste a aceitar um pragmatismo político dissociado dos valores defendidos pelo presidente durante a campanha eleitoral, como a proteção do meio ambiente e a representatividade de gênero e raça. Por isso, o duplo revés vivido pelo governo petista durante a semana: precisou ceder ao centrão para continuar governando e perdeu capital político junto a sua base social justamente por ter cedido.

Ao contrário do que o leitor pode imaginar, não foi Marina Silva que saiu perdendo com o revés do governo, que rifou espaços importantes de decisão do Ministério do Meio Ambiente e da pasta reservada aos interesses dos povos originários. O governo deve mais à ministra do que o contrário: em um mundo reorientando pelas urgências climáticas, a proteção do meio ambiente adquire outra importância, um dado que o Lula amadurecido parece ter dificuldade de aceitar para além das fotos e discursos de impacto.

Como afirmou a ministra em uma de suas falas durante a semana, falta ao país uma elite, se por elite entendermos o poder de construir o futuro através de um pensamento estratégico. Enfraquecido, condenado a um pragmatismo voltado à própria sobrevivência, o governo deixou de ser capaz de pensar o país e se tornou apenas mais um refém de um Legislativo que mais representa os interesses de seus parlamentares do que os daqueles que os elegeram. n

 

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