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O sacrifício do STF no altar da política
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

O sacrifício do STF no altar da política

Como a política é feita não apenas de decisões, mas sobretudo de simbolismos e timings, é indiscutível que o conteúdo simbólico da aprovação da polêmica PEC pelo Senado é o de lançar uma estocada no STF
Tipo Opinião

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, definiu bem a percepção que a corte teve sobre a aprovação de PEC pelo Senado que limita as decisões monocráticas no tribunal: "não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas". Ficou evidente para os ministros do STF e para parte da sociedade que, longe de retratar uma iniciativa genuína de aprimoramento, a proposta foi antes o manejo de interesses eleitorais de alguns personagens.

O primeiro deles é o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que almeja se candidatar, em Minas Gerais, e acena para um público conservador pouco simpático à corte suprema. Outra figura, mais sub-reptícia, é Davi Alcolumbre, que trabalha para se eleger presidente da casa legislativa com o aplauso dos colegas senadores bolsonaristas.

O voto mais amargo e surpreendente, por certo, foi o da liderança do governo no Senado Federal, Jaques Wagner, que parece ter contribuído decisivamente para a aprovação da PEC na casa, levando consigo a bancada baiana. Na busca de algum sentido para um voto tão estapafúrdio, houve quem afirmasse que se tratava de cálculo político do governo, desejoso dos votos no Senado para aprovação da pauta econômica. Ficou difícil de acreditar na hipótese, quando as informações de bastidores começaram a chegar: vários ministros palacianos foram pegos de surpresa com um voto que traiu a relação afável entre STF e governo eleito.

É preciso entender as razões da reação enérgica do STF à PEC. Mais do que uma discordância sobre o debate acerca do abuso de decisões monocráticas, a corte reage ao oportunismo notório da iniciativa de figuras que se aproveitam dos humores antidemocráticos do bolsonarismo para alimentar uma hostilidade permanente ao tribunal e seus ministros. Como a política é feita não apenas de decisões, mas sobretudo de simbolismos e timings, é indiscutível que o conteúdo simbólico da aprovação é o de lançar uma estocada na corte, como quem mostra que o poder também reside do outro lado da praça dos três poderes.

Do ponto de vista técnico, tenho dúvidas sinceras sobre o teor da PEC. Na prática, ela inviabiliza a decisão monocrática nas ações de controle de constitucionalidade, forçando a corte a tomar todas as decisões em colegiado, inclusive as de natureza cautelar, nessas ações. As medidas cautelares, que podem, até o momento, ser concedidas por decisões monocráticas, têm uma razão de existir: afastar o risco iminente, o que justifica a possibilidade de que o relator neutralize, de plano, a ameaça, submetendo sempre a questão, depois, ao plenário. Retirar essa possibilidade restringe sobremaneira a possibilidade de tutela do risco pelo Poder Judiciário, o que parece desproporcional, especialmente quando a corte vem buscando se autocorrigir com mudanças no regimento, como a instalação do plenário virtual.

O debate sobre o Supremo Tribunal Federal é válido e importante, mas não pode ser capturado pelas conveniências eleitorais de alguns. É sempre bom lembrar que foi a corte uma das grandes responsáveis pela preservação da democracia brasileira quando tudo que era sólido se desmanchava no ar.


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