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A vice-governadora e os maus conselhos
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

A vice-governadora e os maus conselhos

Durante a semana repercutiu na imprensa local mais um episódio explícito de violência política de gênero, sendo o alvo da vez a vice-governadora Jade Romero. A ofensa veio de dois vereadores pedetistas, Lúcio Bruno e Adail Jr. Os parlamentares fizeram uso da tribuna para sair em defesa de Roberto Cláudio e Sarto, alvos de críticas da vice-governadora. Na intenção de defender os aliados, os deputados se viram no papel de aconselhar a vice-governadora, afirmando que ela não deveria se prestar ao papel de "garganta de aluguel" ou de "menino de recado" do governador e do PT.

Como costuma acontecer, após a repercussão negativa, os autores das falas ofensivas eximiram-se de responsabilidade por suas palavras. "Fui mal interpretado" costuma ser uma desculpa cômoda, que imputa o erro a quem ouve, não a quem diz. Nosso papel, como testemunhas críticas dos movimentos políticos, é esclarecer o significado simbólico de palavras, recados, conselhos e atos. A atitude dos parlamentares nos transmite uma mensagem. É no seu sentido que reside a violência, no que ela representa de intencionalidade e de pressupostos.

Vamos começar pelo que está implícito: a presunção de aconselhar. Quando um homem que está no mesmo cenário profissional e político de uma mulher assume a condição paternal de dizê-la o que ela deveria fazer, infantilizando-a, tem-se uma violência de gênero. Jade Romero ocupa um cargo eletivo de destaque, foi escolhida vice-governadora pelo eleitorado cearense, é uma mulher adulta, experiente, com história partidária. Presumir que um deputado possa distribuir conselhos (e do pior tipo, os não solicitados) à vice-governadora é uma atitude de presunção lastimável, que sugere um excesso de autoestima de quem fez uso da palavra.

Não fica por aí: sempre é possível aconselhar com alguma elegância, mesmo assumindo-se uma atitude paternalista. Não foi o caso. "Garganta de aluguel" e "menino de recado" são expressões de uma vulgaridade pejorativa, que sugerem algo muito claro: se a vice-governadora formulou a crítica, foi na qualidade de emissária da opinião de outrem, não a expressão de sua própria visão política. É natural que os divergentes em um cenário político pré-eleitoral troquem farpas, críticas e acusações de incompetência, e poucos partidos no Ceará foram mais alvos de crítica recente do que o PDT. Sendo assim, por que não poderia uma liderança política feminina em ascensão manifestar seu olhar sobre um adversário, quando entrevistada na imprensa?

Compreendo que muitos homens sintam dificuldades de perceber o quanto a diferença de gênero importa nas relações sociais. O quão estamos mais expostos ou resguardados a depender de nossa identidade. Mas o fato é que mulheres que se dedicam à política estão mais expostas a um tipo de violência cujo sentido é a diminuição de seu valor - como pessoa e como agentes políticas - por atributos ligados a sua condição feminina. Ao infantilizar a vice-governadora, os deputados expressam que, mesmo com a autoridade conquistada, falta àquela mulher a força para criticar por si. Um machista se trai pela palavra e é pela palavra que devemos desnudar sua violência. n

 

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