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O saldo de 8 de janeiro de 2023
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela USP e professora da Universidade Federal do Ceará. É editora do site bemdito.jor

O saldo de 8 de janeiro de 2023

Não se sabia o que adviria das horas seguintes ao acontecimento e, hoje, podemos dizer com certo alívio que as instituições acossadas fizeram jus ao seu nome com rapidez, evitando uma escalada que pudesse ceder lugar a um ensaio de ruptura democrática
Tipo Opinião

Estamos a dois dias de uma nova data cívica nacional, o 8 de janeiro. No ano passado, depois de uma cerimônia de posse presidencial tranquila, em que tumultos foram esperados, mas acabaram por não acontecer, o Brasil testemunhou, atônito, uma multidão criminosa tomar de assalto os salões dos prédios do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Não se sabia o que adviria das horas seguintes ao acontecimento e, hoje, podemos dizer com certo alívio que as instituições acossadas fizeram jus ao seu nome com rapidez, evitando uma escalada que pudesse ceder lugar a um ensaio de ruptura democrática.

Felizmente, resta quase nada de depredação visível nos prédios tomados. Objetos quebrados e queimados são exibidos nos prédios como objetos de memória, contrastando com os recintos já inteiramente restaurados. O plenário do Supremo Tribunal Federal, talvez o lugar mais maltratado, foi reconstruído em tempo recorde ainda na gestão da ministra Rosa Weber, de modo que os juízes da corte máxima puderam sentar nas cadeiras de praxe para tocar adiante os inquéritos e ações criminais que têm como réus os invasores.

Uma análise retrospectiva dos escombros morais de 8 de janeiro de 2023 nos permite pensar sobre a relação nada apaziguada das forças de segurança e das forças armadas com a democracia brasileira. Foram elas, afinal, que tornaram possível o fluxo de acontecimentos caóticos que testemunhamos. Em entrevista recente, o Ministro da Justiça e futuro ministro do STF Flávio Dino assegurou que a maioria das forças armadas manteve-se legalista na ocasião, o que inviabilizou um drama maior.

Embora se julgue importante agradecer a lealdade dos generais, o que me parece absurdo por si, é difícil imaginar como os militares poderiam tomar o poder, com sucesso, em 2023, em conjuntura radicalmente diversa da que se deu em 1964. Não se pode dizer que haveria apoio popular massivo, afinal de contas a maioria eleitoral elegeu o adversário do candidato simpático às fardas, que esperava ser o protagonista de um golpe. Tampouco se pode esperar das nossas forças capacidade de organização e planejamento criteriosos o bastante para tal empreitada em um país continental com imprensa sólida e fluxo informacional livre.

A pandemia serviu para nos mostrar que nossos militares podem ser incapazes de gerir políticas complexas, especialmente porque o estado pós-1988, como máquina burocrática e aparato institucional, é muito mais desafiador do que o que se tinha nos anos sessenta do século XX. Basta lembrar do trabalho que Bolsonaro teve para aparelhar uma estrutura como a Anvisa, por exemplo.

A mais preocupante constatação do 8 de janeiro não tem a ver com as forças armadas, mas com as polícias. Uma parcela importante das forças de segurança pública foi cooptada por interesses partidários e pode se revelar impiedosamente anárquica e desleal à lei em caso de necessidade. Por isso, o nosso desafio democrático hoje é controlá-las e discipliná-las na obediência e na hierarquia. Precisaremos de tempo para essa tarefa, mas a lembrança triste de janeiro passado está aí para nos mostrar a importância da empreitada. n

 

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