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Quando o pragmatismo é um risco
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Juliana Diniz política

Quando o pragmatismo é um risco

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Foi-se o tempo em que a vitória no período eleitoral garantia a chance de governar sem riscos pelo período de um mandato. O presidente Lula saiu vitorioso de uma das mais desafiadoras eleições da história do Brasil republicano, mas tem enfrentado obstáculos que tornam seu cotidiano de governo uma espécie de crise permanente precoce, uma crise que o leva a negociar com os limites da sua identidade.

A queda sensível da sua popularidade foi o alerta mais perceptível de que o fôlego representado pelas urnas durou muito pouco. A opinião pública tem se mostrado pouco sensível aos bons resultados econômicos do primeiro ano de mandato ao mesmo tempo em que se atiça por questões relativas a costumes. Com o recuo da aprovação, o governo federal já iniciou uma acomodação no discurso, afastando-se da plataforma progressista que Lula anunciou ao seu eleitor quando se apresentou como uma alternativa ao conservadorismo representado por Jair Bolsonaro.

O Lula que agora vemos é o que repete a palavra Deus dezenas de vezes em seus pronunciamentos, o que pede silêncio sobre a memória do golpe militar de 1964, o que abre mão de defender o reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres. A sensação é, portanto, a de um engano, como se, apesar de termos alcançado uma vitória eleitoral depois de um árduo trabalho de articulação social em favor da democracia e da diversidade, os valores, a visão de mundo e de futuro que encontram lugar no presente são aqueles defendidos pelo candidato vencido. A maioria venceu, mas não levou.

O leitor pode retrucar que Lula está sendo, afinal, pragmático, que o presidencialismo de coalizão pede a capacidade de fazer concessões e articular consensos com grupos e políticos pertencentes a um espectro mais amplo, mas o que tem se dado é mais do que isso, e mais grave. Por pragmatismo político entendemos a flexibilidade para a construção de um ambiente favorável a pautas legislativas específicas, estruturais, que dependem de um consenso parlamentar mais qualificado.

Quando, ao invés disso, o que se tem é um presidente acuado, com medo da desaprovação, disposto a abrir mão de decisões e pautas importantes para não desagradar a uma parcela do eleitorado, já não se pode falar em pragmatismo, mas de fraqueza. Um governo fraco só é capaz de construir uma agenda atemorizada, desfigurada em sua ideologia, sem identidade. O medo constrói muito pouco e corrói a esperança.

Ao contrário do que se costuma afirmar, o brasileiro não é, por princípio, majoritariamente conservador. As pesquisas de opinião pública mostram que o eleitor médio é cheio de incoerências, é capaz de defender perspectivas muito restritivas em certos temas (como aborto e legalização das drogas) e muito liberais em questões ligadas à atividade econômica. Por isso, acredito que ceder diante das pesquisas de opinião pública é um erro, porque abre mão de espaço antes que se possa fazer ajustes na área que importa estrategicamente para os índices: a comunicação.

Enquanto esse trabalho necessário não vem, o que observamos é um Lula incoerente, contraditório e distante da biografia que o tornou um dos grandes nomes da esquerda no Brasil. n

 

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