
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor
No ano de 1984, o escritor Italo Calvino foi convidado para uma série de conferências na Universidade de Harvard. O autor apresentou algumas "propostas para o novo milênio", valores que mereciam preservação no novo tempo que se aproximava. Leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade foram listadas como virtudes necessárias para quem desejasse se manter criativamente vivo no novo mundo.
Neste ano de 2025, temos a sensação de que o novo milênio só agora começa, mesmo que o horizonte nos sugira muita imprevisibilidade. Autoridades e intelectuais têm repetido, nos últimos meses, que o Ocidente que conhecíamos não existe mais, e uma nova ordem ainda não está perfeitamente desenhada, como se o milênio não tivesse, de fato, iniciado.
Assim como Calvino fez em 1984, me pergunto: quais devem ser as propostas para o novo milênio? Para responder, pensemos sobre o que estamos deixando para trás e sobre o que devemos levar no bolso neste tempo angustiado que se anuncia no presente.
O Ocidente que se vai é, sobretudo, um mundo organizado em torno da noção de autonomia individual e de liberdade. O poder político, os costumes, a cultura, tudo reafirma a necessidade de que o indivíduo possa florescer em sua capacidade de autodeterminação, construindo para si o futuro que lhe apetece.
É o mundo da democracia liberal, o mundo do multiculturalismo e da pluralidade das formas de vida. Um mundo que forjou, depois de duas grandes guerras, uma ordem mundial multipolar, com potências num equilíbrio tênue, orbitando entre dois protagonistas: os EUA e a União Soviética/Rússia.
O mundo que recebemos em 2025 é uma desordem de indivíduos desamparados e de países lutando contra si. O Estado, questionado, já não goza da confiança de seus cidadãos, e a defesa de um protecionismo desenvolvimentista foi colocada em xeque por uma direita defensora de um libertarianismo radical. Meritocracia, teologia da prosperidade, cultura coach e tudo mais indicam isso: o indivíduo, por sua conta e risco, é o único responsável pelo seu sucesso, considerado na métrica do triunfo econômico.
Nessa fronteira entre milênios, que não é cronológica, mas estrutural, me pego pensando se ainda é tempo de depositar tantas crenças no poder condutor do Estado para a construção de um futuro de bem-estar. Essa dúvida é reafirmada pelo comportamento irresponsável de um parlamento sem controle.
A alternativa, contudo, não parece conduzir rumo a esse individualismo hipertrofiado, mas a um resgate dos vínculos comunitários, da lentidão e do respeito aos ciclos da vida. Os meus valores para o novo milênio são mais velhos do que novos; são, antes, uma invocação nostálgica da humanidade que vamos perdendo para as máquinas e seus mitos.
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