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Fortaleza e a banalização do desmatamento
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Fortaleza e a banalização do desmatamento

São 42 hectares de vegetação nativa de uma área de preservação permanente perdidos por falta de cuidado do poder público. As camadas de responsabilidade são muitas
Área desmatada no entorno do Aeroporto de Fortaleza (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Área desmatada no entorno do Aeroporto de Fortaleza

Fortaleza é uma cidade implacável com sua cobertura vegetal. Tanto o poder público quanto parte da população ignoram a importância das árvores e da vegetação para a saúde e a beleza do espaço que habitamos. O criminoso episódio de desmatamento do terreno das cercanias do aeroporto é um exemplo claro da falta de responsabilidade ambiental compartilhada por todos nós.

São 42 hectares de vegetação nativa de uma área de preservação permanente perdidos por falta de cuidado do poder público. As camadas de responsabilidade são muitas. O licenciamento apressado e pouco cauteloso, a falta de fiscalização dos setores competentes, a indiferença da população que, observando o movimento, não se mobilizou por meio de alguma denúncia pública. Uma pequena floresta urbana não é inteiramente devastada em horas. É preciso infraestrutura, pessoal e manejo dos resíduos. Difícil imaginar como isso se deu sem qualquer sinal perceptível para as autoridades e para a vizinhança do terreno.

A suspensão do licenciamento pela Semace nos últimos dias nos chega como um tapa na cara. O princípio da precaução que orienta o Direito Ambiental não é uma cautela à toa. Eliminada a cobertura vegetal na sua integralidade, o que resta é um dano irreversível, de quase impossível reparação para a sociedade cearense. Afinal, o leitor sabe bem o grau ínfimo de sucesso na execução das multas ambientais aplicadas no país. Os animais, as espécies vegetais maduras, toda a riqueza daquele ecossistema não podem ser simplesmente recuperados da noite para o dia. É justamente esse tipo de risco que não deveríamos estar, em nenhuma hipótese, dispostos a correr em proveito do lucro de uma empresa particular.

A tragédia ambiental do terreno vizinho ao aeroporto não é explicável apenas com o que houve naquele terreno. Existe uma cultura da insensibilidade ambiental. Ela é horizontal, permeia a política da grande empresa privada, da concessionária de energia elétrica que poda sem controle e dos indivíduos que, por descuido ou desinteresse, decidem vandalizar as árvores na frente da sua casa, simplesmente retirando-as.

Não é preciso esforço para observar a quantidade de podas irregulares, o ódio às copas altas, a ausência de senso de coletividade que permeia nosso manejo da vegetação urbana. Essa riqueza não é nossa. Não podemos dispor dela como se nos pertencesse para destruição. Cada animal morto, cada espécie extinta tem um valor intrínseco para além da sua utilidade aos seres humanos. A punição dos responsáveis deve ser exemplar.

Só uma ética da responsabilidade com tudo que é vivo nos permitirá efetivamente coexistir civilizadamente, com perspectiva de continuidade da vida e de garantia de bem-estar para todos.

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