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Quando a maioria é injusta
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Juliana Diniz é doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É editora do site bemdito.jor

Juliana Diniz política

Quando a maioria é injusta

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem "vingados" pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia
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Policiais escoltam suspeitos presos durante a Operação Contenção para fora da favela Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025. Pelo menos 2.500 agentes participaram da operação para prender traficantes de drogas do Comando Vermelho (CV). (Foto: MAURO PIMENTEL / AFP)
Foto: MAURO PIMENTEL / AFP Policiais escoltam suspeitos presos durante a Operação Contenção para fora da favela Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025. Pelo menos 2.500 agentes participaram da operação para prender traficantes de drogas do Comando Vermelho (CV).

A operação policial que ocorreu há dias nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ficou marcada como a mais letal de todas as já realizadas. As imagens dos cadáveres não foram suficientes para impactar a opinião pública: pesquisas indicam que a maioria aprovou o ato. Os números influenciaram a movimentação dos políticos de direita, assim como contiveram instituições como Poder Judiciário e Ministério Público, que reagiram timidamente.

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem “vingados” pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia. Pouco importa se o morto é inocente ou não; se havia mandado de prisão ou denúncia formal.

Sua culpa é pressuposta. Para a maioria das pessoas, se, dentre 120, oitenta são bandidos, a morte dos não-bandidos é justificada como “efeito colateral”. É uma guerra, concluem. Numa guerra, é matar ou morrer.

Penso que a tragédia da semana passada e a reação pública a ela podem nos fazer pensar sobre como funciona a justiça e por que é importante que permaneça assim, caso planejemos continuar vivendo em uma democracia. “Fazer justiça” não é o mesmo que vingar-se. Com a justiça, busca-se a reparação proporcional por um dano sofrido.

A pena não pode violar a dignidade humana do ofensor, porque, se formos tão ou mais violentos que o bandido, nada nos diferenciaria deles. Para atestar a culpa, é preciso conhecer as circunstâncias da prática do ato criminoso, as motivações do ofensor, algo que exige tempo, produção de provas e participação de profissionais preparados como advogados, promotores, peritos, etc.

Mais do que isso, a definição de um comportamento como ilícito e a pena correspondente precisam estar previstas em lei, sendo aplicadas por um juiz togado, um agente do estado protegido por garantias de independência. Essas condições garantem que, ao fim de um processo, a justiça seja feita e a sociedade reparada. Juízes não são eleitos justamente porque, muitas vezes, suas decisões podem ser impopulares, mesmo justas.

Essa a razão de se definir o Poder Judiciário como poder contramajoritário. Ele não deve decidir com base na opinião majoritária das pessoas (nada mais volúvel que isso!), ele deve seguir o que diz a lei.
O argumento da maioria nem sempre conduz à justiça. Há muitas decisões justas que não são tomadas na lógica do 50+1.

A operação no Rio de Janeiro continua problemática e ilegal quer a maioria aceite ou não, e é preciso que as instituições de controle se mantenham fieis à lei para evitar a exploração política do espetáculo da morte.

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