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Antônio Bandeira: uma revolução pelo olhar
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Doutora em Sociologia com pesquisa em economia criativa, sociologia da arte e da cultura. É membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Kadma Marques arte e cultura

Antônio Bandeira: uma revolução pelo olhar

Socióloga da Arte e docente da UECE, Kadma Marques ecoa a capacidade criadora inequívoca e a contribuição significativa do cearense Antônio Bandeira (1922 - 1967)
Tipo Análise
Óleo e miçangas sobre tela
55 cm x 46 cm 
Tombo IAB 0091
Ano 1960 (Foto: Antônio Bandeira )
Foto: Antônio Bandeira Óleo e miçangas sobre tela 55 cm x 46 cm Tombo IAB 0091 Ano 1960

No horizonte dado pela memória das artes plásticas no Ceará, Antônio Bandeira desponta com a força de um monumento. Quando 99 anos nos separam da data de seu nascimento, às iniciativas de celebração de sua obra somam-se as formulações da crítica que se acumulam, reconhecendo não só sua capacidade criadora inequívoca, mas também sua contribuição significativa para a afirmação da lógica própria que caracteriza o campo da arte na atualidade. No âmbito da produção de formas plásticas abstratas, Bandeira desempenhou papel fundamental na configuração de uma verdadeira revolução pelo olhar.

De fato, sob a luz do século XX, a abstração na arte desferiu um golpe mortal sobre o olhar longamente cultivado pela pintura figurativo-representativa. Esta se transformou continuamente: desde as belas ilusões criadas pelo ideal de objetividade renascentista, que concebia a tela como uma janela para o mundo; passando pelas deformações figurativas forjadas pelas vanguardas modernas; até o momento em que a figura desfez-se em formas líricas ou geométricas que buscavam exorcizar elos de proximidade com a experiência visual cotidiana. Pelas mãos de Kandinsky, Klee, Malevich, Mondrian, Pollock e outros, a criação plástica deixou definitivamente de submeter-se à lógica visual do real na pintura para delinear-se simplesmente como a realidade da pintura. São estes os ares de um tempo que inspirou o pintor cearense, cujos trânsitos vincularam Fortaleza e Rio de Janeiro, mas também a capital carioca e Paris, da década de 1940 à de 1960.

Ao longo das duas décadas em que Bandeira integrou circuitos de produção artística local, nacional e internacional, o campo da arte concretizou-se como uma sociedade dentro da sociedade. Distanciadas do porto seguro que unia figuração e cultura letrada, as artes navegaram rumo às inúmeras possibilidades abertas pela emergência de uma nova sensibilidade plástica, dificilmente traduzida em palavras. Naquele universo particular, proliferavam obras denominadas simplesmente de "composição" ou "sem título". Por sua vez, Bandeira tecia passagens entre referências figurativas e composições abstratas, reveladas por generosos títulos que orientavam a apropriação que os públicos poderiam fazer de sua obra, a exemplo de "Crepúsculo", "Explosão", "Cidade Queimada de Sol", "Ilha" e outros.

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É preciso considerar que, se a abstração abriu uma cisão definitiva entre os modos de ver/conceber o mundo e a pintura, ela o fez intensificando um processo iniciado pelas vanguardas modernas: o eixo de interesse da apreciação e da criação artística deslocou-se do conteúdo objetivo do quadro, para o modo ou o estilo de fazê-lo. Então, artistas como Bandeira não somente criaram obras originais, mas a novidade destas (em termos de formas, de técnicas e de materiais utilizados) exigia outros modos de apreciação estética.

Assim, frente às particularidades do abstracionismo lírico de Antônio Bandeira, o olhar depurado do apreciador de arte precisou lidar com os meandros do próprio trabalho de criação das obras, apreendendo a lógica processual de sua fabricação - o ritmo, a ordem de uso dos materiais e as técnicas experimentadas. Nesse sentido, dentre as ousadias formais do pintor merece destaque a curta, mas significativa série da década de 1960, a qual tem miçangas como material privilegiado. Produzido no período que antecede o retorno do artista para a inauguração do MAUC, em Fortaleza, esse conjunto que não reúne mais do que quinze telas, tem sido cobiçado por galeristas e colecionadores. Ele aponta um artista em plena maturidade criativa, que revela assim seu desejo de criar uma pintura capaz de ultrapassar a bidimensionalidade da tela, invadindo o mundo dos objetos por meio de composições abstratas em que a colagem de miçangas guia delicadamente o movimento visual do apreciador.

Foto do Kadma Marques

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