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O véu da exclusão
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É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro

Kalina Gondim comportamento

O véu da exclusão

O Catar se assemelha a um grande museu com vitrinas onde estão expostos o arcaísmo e a obsolescência.
Tipo Análise
Mulheres desafiam regime iraniano com manifestações contra o uso obrigatório do véu  (Foto: AFP)
Foto: AFP Mulheres desafiam regime iraniano com manifestações contra o uso obrigatório do véu

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A cada quatro anos, é celebrada a Copa do Mundo. Sua importância ultrapassa a dimensão esportiva, e configura-se como um evento de grande impacto econômico e relevância política. O país-sede da Copa ganha todos os holofotes, e a curiosidade passar a guiar a opinião pública.

Com o Catar não foi diferente, o país chama atenção pela opulência, mas revela contrastes: de um lado, a extrema suntuosidade e, do outro, uma desalentadora miséria. Essas duas facetas da sociedade não apenas coexistem, como estão profundamente entrelaçadas de modo que o luxo de alguns tem como contraface explicativa a pobreza de muitos. As desigualdades também estão postas nas relações de gênero nas quais o poder político e econômico é patrimônio masculino, cabendo às mulheres serem portadoras de uma subcidadania.

O Catar se assemelha a um grande museu com vitrinas onde estão expostos o arcaísmo e a obsolescência. O país, a exemplo dos seus vizinhos do Oriente Médio, submete as mulheres a um regime de dominação, um apartheid de gênero e uma violência de todos os matizes, o que torna o país um território inóspito para elas.

Apesar da revolta gerada internacionalmente, o Catar não detém o monopólio mundial no quesito violação dos direitos das mulheres. Na literatura mundial proliferam obras que narram o sofrimento das mulheres no Oriente Médio. As tramas se desenrolam a partir de enredos sobrecarregados de violência física, estupros e um amontoado de proibições.

Nesse cenário de denúncias, desabrocham também mulheres icônicas, como a paquistanesa Malala que quase foi silenciada em um atentado por levantar a bandeira do direito à educação para meninas. Recentemente, o nome de Mahsa Amini, iraniana que foi violentada e morta pela polícia de seu país por não utilizar o véu sobre seus cabelos, também descortinou os graves problemas vivenciados pelas mulheres que são submetidas a esse código de conduta. A morte de Mahsa galvanizou as mulheres iranianas e gerou várias manifestações de apoio em muitos países.

No ano de 1995, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG) que avalia a qualidade de vida das mulheres nos diferentes países. Não por acaso, os países do Oriente Médio figuram nas piores posições do ranking.

Ao analisarmos a precária situação das mulheres no Catar, não podemos cair em análises superficiais que apontam os fatores culturais como causa da subalternidade feminina no país. As vivências e experiências concretas das mulheres do Catar são manifestações de desumanização, violação dos direitos humanos e desrespeito acintoso a todos os pactos e agendas internacionais alicerçados em torno da luta pelos direitos das mulheres.

A sociedade, por meio de intensos protestos, está transmitindo de forma inequívoca que não será tolerante com as violências sofridas pelas mulheres que alguns países, de forma escamoteada, querem fazer com que alienação e apagamento feminino pareçam ser manifestação de diversidade cultural.

 

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