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Pobreza menstrual e dignidade humana
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É doutora em Educação pela UFC. Pesquisa agendas internacionais voltadas para as mulheres de países periféricos, representatividade feminina na política e história das mulheres. É autora do livro

Kalina Gondim comportamento

Pobreza menstrual e dignidade humana

As discussões acerca da elevada tributação dos absorventes íntimos e de outros produtos de uso exclusivo das mulheres, a exemplo da pílula anticoncepcional, ainda são muito incipientes
Tipo Opinião
Projeto cearense chamado Deixa Fluir atua no combate à pobreza menstrual (Foto: JÚLIO CAESAR/ O POVO)
Foto: JÚLIO CAESAR/ O POVO Projeto cearense chamado Deixa Fluir atua no combate à pobreza menstrual

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A pobreza é indiscutivelmente um dos fenômenos sociais que mais desafia e envergonha a humanidade, notadamente porque vivemos em tempos de superabundância e consumo desmedido de bens supérfluos.

O imenso contingente de pobres no mundo atesta a falência de um sistema econômico que produz fome, guerras e crises. A incapacidade crescente de incluir seres humanos nos bens e serviços produzidos enseja debates e propostas de reformas.

O crescimento da pobreza é diretamente proporcional ao número de soluções mágicas que visam a erradicá-la.

A partir da década de 1990, economistas como Amartya Sen e Muhammad Yunus, ambos indianos e pertencentes ao quadro do Banco Mundial, passaram a publicar estudos que defendiam o papel das mulheres como agentes sociais, responsáveis por dirimir um fenômeno tão complexo quanto multifacetado como a pobreza.

O conceito de feminização da pobreza nos aponta que as mulheres são maioria entre os pobres, fato que revela a incongruência e desfaçatez daqueles estudos.

Uma das facetas da pobreza é a chamada pobreza menstrual que atinge exclusivamente mulheres.

Eu confesso que, durante muito tempo, o período menstrual de mulheres de baixa renda era algo desimportante para mim, para melhor dizer, era uma querela. Isso apenas demonstra como nossa existência é desumanizada, tanto a das mulheres que não têm acesso a absorventes como também da minha que, imersa em um cotidiano repleto de tarefas, passo a alienar-me da realidade de outras mulheres.

Assim, também perco um pouco da minha humanidade. A agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu a erradicação da pobreza como carro-chefe do documento, colocando-a como primeiro objetivo a ser alcançado pelos países.

Em relatórios mais recentes, o organismo vem discutindo a pobreza menstrual, dando visibilidade ao fenômeno bem como propondo soluções para o problema.

Atualmente assistimos ao aumento de debates acerca da elevada carga tributária embutida nos absorventes menstruais. Países como Escócia, Quênia, Canadá, Austrália, Malásia, Reino Unido, entre outros inovaram ao retirar todos os impostos que incidiam sobre os absorventes.

No Brasil, algumas políticas públicas distribuem absorventes para mulheres em situação de rua, encarceradas e estudantes de escola pública. Contudo, as discussões acerca da elevada tributação dos absorventes íntimos e de outros produtos de uso exclusivo das mulheres, a exemplo da pílula anticoncepcional, ainda são muito incipientes.

Além dos projetos e políticas que incitou, o conceito de pobreza menstrual trouxe também como consequência discussões sobre condições sanitárias, o acesso à água e a ausência de banheiros em muitas residências brasileiras.

Desse modo, o resultado mais relevante foi mobilizar um olhar sobre a pobreza para além dos indicadores econômicos, enxergando-a em sua crueza mais profunda que é a dignidade da pessoa humana. Não é por acaso que o reverso da pobreza menstrual chama-se dignidade menstrual.

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