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Mulheres do champagne: força e inspiração
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Karime Loureiro é advogada e professora de inglês. Apaixonada pelo mundo dos vinhos, formou-se Sommelière Internacional pela International Wine Tasters Organization, atuando como palestrante e mediadora de eventos enogastronômicos. Presta consultorias para jantares harmonizados e eventos, ministra cursos de vinhos pelo Brasil e é digital influencer deste universo, sendo conhecida como Embaixadora das Borbulhas. Na bagagem, a visita a mais de 150 vinícolas pelo mundo

Karime Loureiro gastronomia

Mulheres do champagne: força e inspiração

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Tipo Notícia
Retrato de Madame Clicquot, por Léon Cogniet. Nascida Barbe-Nicole, deixou legado de empreendedorismo.  (Foto: Reprodução )
Foto: Reprodução Retrato de Madame Clicquot, por Léon Cogniet. Nascida Barbe-Nicole, deixou legado de empreendedorismo.

Quando pensamos em champanhe, lembramos de delicadeza, qualidade e luxo, mas o que poucos sabem é que a história da bebida mais famosa do mundo foi escrita por mulheres fortes, que impactaram o mundo das borbulhas para sempre. Impossível falar em champanhe e não citar a trajetória de Veuve Clicquot, aliás, se houvesse viagem no tempo, eu certamente pediria um encontro com ela. Se você não conhece a vida desta mulher, continue a leitura, você corre o sério risco de querer fazer a viagem no tempo comigo...

Uma Mulher à frente de seu tempo

Nascida em 1777, em Reims, na França, Barbe-Nicole Ponsardin casou-se com François Clicquot no ano de 1798. O marido passou a comandar a Clicquot-Muiron et Fils, empresa fundada por seu pai e cujas atividades envolviam comércio têxtil, serviços bancários e produção de vinhos.

No ano de 1805, porém, François morreu precocemente, muito provavelmente de pneumonia, tanto Barbe-Nicole quanto Philippe, pai de seu marido, ficaram devastados com a morte de François, foi quando Philippe anunciou que, até o final daquele ano, encerraria o negócio do vinho.

Inconformada, Barbe-Nicole vai até o sogro e diz: "Gostaria de arriscar minha herança, peço que você invista o equivalente a um milhão de dólares a mais para eu administrar este negócio". É realmente surpreendente que ele tenha deixado uma mulher, sem treinamento em negócios assumir isso. Philippe Clicquot não era tolo, tinha certeza de que sua nora era extremamente inteligente, mas sabia que não seria fácil e não foi mesmo.

As atitudes de Barbe-Nicole contrariavam o código napoleônico, legislação da época, a qual negava às mulheres direitos civis e políticos básicos como ganhar dinheiro, trabalhar, votar e estudar em escolas ou faculdades. Uma mulher lidar com qualquer assunto que não fosse crianças e bordados era um verdadeiro acinte .... E há quem diga que feminismo é absurdo, mas voltemos a ela...

A jovem e destemida Barbe estudou todos os processos da produção de champagne e, em 1810, fundou a Veuve Clicquot-Ponsardin, ou "viúva Clicquot-Ponsardin", em português, já que antes se chamava Clicquot-Muiron et Fils' ( Clicquot-Muiron e filho) e, neste mesmo ano, ainda criou o primeiro Champanhe safrado ao notar que a safra de 1810 era muito boa, em todas a outras casas de champanhe os espumantes eram não safrados (ou seja, feitos com vinhos do ano e vinhos de reserva mais antigos).

No ano de 1811, durante as Guerras Napoleônicas, a França vivia uma grande crise e a vinícola estava prestes a declarar falência. Para evitar que isso acontecesse, Madame Clicquot percebeu que os vinhos de Champagne mais doces faziam grande sucesso na Rússia e resolveu investir nesse mercado.

O grande problema era que, em virtude dos conflitos, havia um bloqueio marítimo que impedia seus vinhos de chegar à Rússia. Ela sabia que a guerra não duraria muito mais. Decidida, mandou por terra precisamente 10.350 garrafas de Reims até Rouen (Normandia), de lá o barco seguiu para Le Havre (Canal da Mancha, ou seja, mar).

Embora a guerra ainda não tivesse acabado, Madame Clicquot deu ordens para que seu despachante seguisse com o plano, e isso acorreu. Assim que a paz foi declarada, a remessa seguiu para a Rússia, superando seus concorrentes por semanas. Logo depois que seu champanhe estreou na Rússia, o czar Alexandre I anunciou que era o único tipo que ele beberia. A notícia de sua preferência se espalhou por toda Rússia, o marco zero para o marketing internacional. De repente, a demanda por seu champanhe aumentou tanto que ela teve medo de não conseguir atender a todos os pedidos.

A fabricação de champanhe, naquela época, era um negócio incrivelmente lento e dispendioso, ela precisava melhorar o processo se quisesse acompanhar a nova demanda por seu produto.

Remuage

Um dos seus maiores feitos foi a criação da Remuage, em 1816. Técnica que dá ao vinho espumante um visual claro e límpido. À época, o champanhe costumava ser um tanto turvo e menos borbulhante do que conhecemos hoje, sua meta era encontrar uma forma de coletar esses sedimentos e retirá-los da garrafa. Depois de muitos experimentos, ela percebeu que, ao girar a garrafa, os sedimentos se desprendiam e, então, era possível direcioná-los para o pescoço do vasilhame.

Buracos da Mesa

Foi então que Barbe-Nicole fez buracos em ângulo na mesa de sua cozinha e encaixou os frascos de ponta cabeça, em 45º. Todos os dias, durante seis a oito semanas, as garrafas eram giradas em um quarto de volta. As borras gradualmente se acomodaram no gargalo da garrafa. Quando o depósito acontecia, era realizado o "dégorgement a la volée", que consistia em retirar simultaneamente a tampa e o depósito em um único movimento manual. Com essa técnica, o champanhe ficou cristalino.

Viva Madame Clicquot, santé !!!

Retrato de Louise Pommery
Retrato de Louise Pommery

A criação do espumante brut

Outra grande inovação em Champanhe foi obra de uma mulher: o espumante Brut. Até 1874, os vinhos espumantes produzidos na região eram doces, com o teor de açúcar semelhante ao do vinho de sobremesa.

Louise Pommery, ao herdar a Maison Pommery, em 1860, após a morte de seu marido e visando o mercado inglês, o maior comprador dos vinhos de Champagne na época, começou a elaborar espumantes secos. Contudo percebeu, no meio do processo, que retirar o açúcar poderia ser muito arriscado, pois seria necessário deixar as uvas na videira por mais tempo para amadurecer com uma doçura natural.

O clima da região não era favorável e, por isso, era comum entre os produtores adicionar grandes quantidades de açúcar (até 300g de açúcar por litro) para disfarçar as uvas prematuras. Imagine que um espumante doce, pela legislação brasileira, tem 80 gramas de açúcar por litro (no máximo).

A inovação não foi bem aceita pelos clientes de Madame Pommery, sendo rejeitada nos seus primeiros anos de brut. Mas quem disse que ela desistiu? Ela continuo aprimorando seu produto até que a safra de 1874 foi exuberante e Louise lançou um brut que consagrou a maison. Os ingleses se apaixonaram pela bebida e a imortalizaram em uma canção popular chamada "Ode to Pommery!"

Louise Pommery mudou o gosto do mundo por espumantes secos. Sua ousadia tornou a Pommery uma das mais bem sucedidas casas de champagne. Além de servir como exemplo para outras maisons criarem espumantes com diferentes níveis de açúcar, ela foi uma das primeiras na França a oferecer planos de saúde e de aposentadoria para os funcionários, atitude que transformou a relação detrabalho naquele país. E pensar que, em pleno 2023, há trabalho análogo a escravidão pela bandas daqui.

- Pardon, Louise...

Lily Bollinger e a bicicleta que usava para percorrer os vinhedos
Lily Bollinger e a bicicleta que usava para percorrer os vinhedos

Triste ou feliz, champagne!

"Eu bebo champanhe quando eu estou feliz e quando eu estou triste", declarou Lily Bollinger em entrevista para jornal inglês. Viúva a partir de 1941, precisou tomar as rédeas da empresa da família, a Bollinger Champagne. Fazia questão de percorrer os vinhedos em sua bicicleta Peugeot.

Na época, já havia normas rígidas a serem seguidas, dentre elas, o tempo mínimo de contato do líquido com as borras na segunda fermentação: 15 meses para os não safrados e 36 para os safrados.

Lilly decidiu deixar parte de sua produção descansando nas caves por 12 anos. Quando fez o degorgement, percebeu que, quão mais cedo se bebe o champagne após ser degogermado, mais frescos os aromas complexos aparecerão. Foi a partir daí que, em 1961, ela criou uma nova categoria de espumantes: os Récemment Dégorgé (R.D.). Os rótulos foram os primeiros na história a conter a data do degorgement.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas ocuparam Champagne, sendo ela obrigada a fornecer vinho de graça para os alemães. Em 11 de agosto de 1944, a cidade de Aÿ, onde Bollinger está localizada, foi bombardeada e parcialmente destruída. Madame Bollinger abriu seus porões para abrigar os aldeões. Ela também preparou os funerais das vítimas. Isso lhe rendeu ainda mais respeito na aldeia. É humanidade que chama, né? Merci, Madame Bollinger!

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