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Quando a forma transforma o sabor
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Karime Loureiro é advogada e professora de inglês. Apaixonada pelo mundo dos vinhos, formou-se Sommelière Internacional pela International Wine Tasters Organization, atuando como palestrante e mediadora de eventos enogastronômicos. Presta consultorias para jantares harmonizados e eventos, ministra cursos de vinhos pelo Brasil e é digital influencer deste universo, sendo conhecida como Embaixadora das Borbulhas. Na bagagem, a visita a mais de 150 vinícolas pelo mundo

Karime Loureiro gastronomia

Quando a forma transforma o sabor

Domingo, fim de tarde, luz dourada atravessando a varanda do restaurante … e eu ali com um grupo de amigos, daqueles encontros que a conversa flui, o riso é fácil e que pedem espumante, claro.

A experiência já começou pela escolha do rótulo. Perguntei se poderia ser um nature, que é o espumante mais seco que há, e ainda pouco conhecido pelos consumidores brasileiros em geral, com açúcar residual de, no máximo, 3 gramas por litro (Brut vai de 8,1 a 15 gramas de açúcar por litro).

Nos nature, o licor de expedição é dispensado e é justamente essa ausência que lhe dá nome. Nature, de natural. Nada além do que a uva e o tempo têm a oferecer. Aqui, cada detalhe importa: a qualidade das uvas, o cuidado no vinho base, a precisão do método.

Não posso mentir que amo quando estou perto de quem é curioso e gosta de saber mais sobre o encantador mundo dos espumantes, não sou do tipo sommelier "palestrina", afinal bom mesmo é falar para quem se interessa.

Sendo assim, perguntei: - Vamos fazer a brincadeira da taça? (essa não tem nada de sobrenatural, só vai fazer associação quem for 30 , risos)

Pegamos o mesmo espumante, servido na mesma temperatura, só que em taças diferentes. Uma flute, uma tulipa e, pra fechar, uma taça de vinho branco. E propus o jogo: "Agora vocês me dizem o que muda, sem medo de errar."

No começo, riram. Depois, silêncio e
olhos arregalados.

"Meu Deus, como pode ser tão diferente?"

"Esse aqui tá mais aromático!"

"O outro parece mais fresco!"

"Gente, juro que achei que era outro vinho!"

E era o mesmo vinho, na mesma temperatura, no mesmo momento.

A única coisa que mudava… era a taça.

Foi ali, entre um gole e outro, que pensei: "isso dá uma bela coluna". Porque a escolha da taça, embora muitas vezes negligenciada, muda absolutamente tudo na experiência de beber um espumante. E tem ciência por trás disso, não é só charme, não.

Então vem comigo, que hoje o assunto é borbulhante e cheio de nuances.

Vamos falar sobre história, técnica, sensorialidade e, claro: qual taça escolher na hora do brinde.

Spoiler: tem até plano B se você não tiver nenhuma das taças ideais em casa. Porque, no fim, a ideia é sempre brindar, e da melhor forma possível.

Na história dos espumantes, a escolha da taça já foi puro charme. A coupe, por exemplo, foi símbolo de glamour nos anos 20. Dizem que foi moldada no seio de Maria Antonieta, ou da Madame de Pompadour, e servia para brindar o luxo e a doçura de um Champagne que, naquela época, era sobremesa líquida.

Mas os tempos mudaram. O Champagne secou, evoluiu. E a ciência entrou em cena.

Hoje sabemos — por estudos da Universidade de Reims, do Comitê Champagne e de Revistas Especializadas - que o formato da taça interfere diretamente nos aromas, na percepção do gás, na textura e até na elegância do gole.

No fim, tudo cabe em uma pergunta:

O que vai na taça?

Vai mais que vinho. Vai história, vai memória, vai técnica, vai emoção. A escolha da taça não é só sobre o material dela, é sobre como você quer viver o momento.

E se você, assim como meus amigos naquele domingo, nunca tiver parado para pensar nisso... experimente. Sirva o mesmo espumante em taças diferentes. Depois me conta. Porque às vezes, o vinho é o mesmo mas a experiência muda tudo.

 

Taça Coupe
Taça Coupe

Coupe

É linda, fotogênica e cheia de histórias. Mas sua boca larga dispersa os aromas e faz o gás escapar rápido. É como uma orquestra sem acústica: tudo se perde no ar. Usá-la hoje é um ato estético, não técnico. A própria Moët já declarou: "a coupe deve ser aposentada". Tadinha...

Taça Flûte
Taça Flûte

Flûte

A flute surgiu com um propósito: preservar o perlage. Seu corpo fino e alto direciona as borbulhas para o centro da taça e as mantém dançando por mais tempo. Alta, esguia, segura as borbulhas como quem segura um segredo, contudo sufoca o espumante tem de melhor: aroma e complexidade. Ela estreita muito a superfície de contato com o ar. E o que isso significa? Os aromas não aparecem, não se desenvolvem... São borbulhas sem alma.

Taça Tulipa
Taça Tulipa

Tulipa

Com bojo arredondado e boca levemente fechada, é a taça que equilibra tudo: preserva o perlage, valoriza os aromas e entrega uma experiência completa. Não à toa, é a queridinha das grandes "maisons" de Champagne e dos sommeliers ao redor do mundo. A forma da tulipa permite oxigenação controlada e concentração aromática. Pesquisas realizadas pela CNRS (Centre national de la recherche Scientifique) mostram que taças tulipa liberam mais intensamente compostos ligados aos aromas frutados e tostados.

Taça de vinho branco
Taça de vinho branco

Taça de vinho branco

Especialistas afirmam que, quando a tulipa não estiver à mão, uma taça de vinho branco bem escolhida pode ser uma alternativa honesta e técnica. Segundo o sommelier Christopher Hoel, da Real Simple, esse tipo de taça supera a flute ao revelar aromas e sabores do espumante. Ele não está sozinho: o mercado de vinho hoje aponta uma preferência crescente por formatos mais amplos, como as taças de vinho branco, principalmente quando se quer perceber nuances e complexidade. É uma aliada elegante e sensorial, sem falsas promessas." Mesmo fora do "dress code", brilha
com autenticidade.

Foto do Karime Loureiro

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