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Ronaldo Fraga: roupas como manifestos para vestir e viver
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jornalista, com pós-graduação em Propaganda e Marketing (Uni7) e em Moda e Comunicação (Universidade de Fortaleza). Já atuou como assessora de comunicação, repórter do Núcleo de Revistas do O POVO, jornalista na área de branding e design, e produtora de conteúdo no Penteadeira Amarela, um dos primeiros blogs de comportamento do Ceará. A ligação com a moda surgiu ainda na faculdade, quando teve contato com os bastidores da moda, passando a vê-la como forma de expressão individual, de manifestação cultural e de reflexão social. Atualmente, é editora-adjunta de projetos do O POVO.

Larissa Viegas arte e cultura

Ronaldo Fraga: roupas como manifestos para vestir e viver

Em entrevista ao O POVO, o estilista Ronaldo Fraga fala sobre a maior inspiração de sua carreira: o Brasil. E como tenta decodificar o País em produtos
Tipo Notícia
FORTALEZA, CE, BRASIL, 15-10-2025:  Ronaldo Fraga, estilista e Sabrina Abreu, Escritora. Lançamento do livro Memorias do estilista coração de galinha. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA, CE, BRASIL, 15-10-2025: Ronaldo Fraga, estilista e Sabrina Abreu, Escritora. Lançamento do livro Memorias do estilista coração de galinha. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)

Sou um pouco desmemoriada. Não lembro nomes, muito menos datas. Mas consigo guardar com carinho na lembrança momentos bastante especiais. E alguns deles envolvem Ronaldo (ver fotos do túnel do tempo! Risos). Assim, sem sobrenome, mesmo. Porque é um cara por quem eu tenho tanta admiração que me recuso mantê-lo distante.

Nem adianta me perguntar como tudo começou. Como diz Chicó, não sei, só sei que foi assim. Porém, ao ouvir novamente a entrevista que você vai ler a seguir, feita com ele e com a simpaticíssima Sabrina Abreu, descobri o porquê.

Ronaldo não é um cara da moda. Assim como um jogador de futebol apaixonado pelo esporte, que não se importa em jogar em campo de terra batida e com bola desgastada, Ronaldo é da roupa. Mas poderia ser das telas, da escultura, da música. A roupa é o seu megafone, seu outdoor, sua partitura. E, como mostrou na São Paulo Fashion Week (SPFW), segue envolvendo, emocionando, divertido.

Após seis anos longe das passarelas, retorna à semana de moda que o revelou - antes mesmo de se chamar SPFW, e apresenta Minas-Nascimento, em alusão ao conterrâneo Milton Nascimento. Porque Ronaldo tem dessas, de enaltecer sua(s) terra(s).

O mineiro, nos seus quase 58 anos, já tem uma biografia de 445 páginas, insuficientes para abordar todos os assuntos desejados e de seu interesse. E é um pouquinho sobre ela - e roupa, e moda e Brasil, que eu trago nas próximas linhas, juntamente com Sabrina Abreu, jornalista responsável pelo trabalho de insistir, conduzir e revelar tantos causos.

O POVO - O que é um estilista coração de galinha?

Ronaldo Fraga - O título desse livro é o nome de uma coleção de 1996, a minha primeira coleção. Na verdade é uma metáfora. Essa coisa do coração de galinha, como se fosse algo de um coração muito fácil e muito aberto, muito escancarado e afeito a se apaixonar pelo insuspeito, por coisas muito simples, que acabam passando despercebidas ao olhar dos corações nobres.

OP - Qual é o papel de um livro sobre moda, principalmente no Brasil?

Ronaldo - Foi muito importante, principalmente porque quando você pensa no tempo que demorou pro livro ser lançado, porque veio pandemia… Mas ele foi lançado na época certa. Eu olho a história e realmente eu inicio o meu trabalho no momento em que a moda brasileira muda, começa um novo ciclo. E eu lanço o livro quando esse ciclo finaliza.

Com a morte do Karl Lagerfeld, saem de cena os estilistas, os criadores, para entrarem os times de criação. Então, a coisa de alguém por trás de uma assinatura é algo que ficou muito nesse período. É um momento que vai ser lembrado, estudado na moda brasileira como um momento de ebulição, novos estilistas, novos designers, novas formas de linguagem. E quando eu conto a minha história, de alguma forma, eu estou contando e registrando em livro esse período da moda brasileira.

Quando a Sabrina me procurava, e eu já tinha recebido outras propostas, eu pensava: 'Gente, que coisa mais egocêntrica, não tenho história para um livro'. Mas quando eu me descolei disso, percebi que faço parte de um período, de uma história que é importante que se registre, principalmente em um País que tem o maior número de escolas de moda do mundo, mas que tem pouca biografia nesse sentido.

OP - Você falou de ciclos da moda no Brasil, como está a sua relação hoje com a moda brasileira e com a moda em geral?

Ronaldo - Eu falo que a minha relação com a moda hoje, na sua essência, está a mesma. De olhar para o meu País, tentar decodificar isso em produtos, só que, de alguma forma, e talvez a expectativa também fosse essa, que com o tempo, depois de tantos desfiles - mais de 60 autorais, sem contar os que fiz para outras e eventos, eu me libertasse da roupa. Porque eu vivia falando isso, a moda está pedindo para se libertar da roupa.

A função do estilista é muito maior do que o fazer roupa. É um mercado que é muito abrangente e não cabe um país inteiro desfilando numa passarela como o São Paulo Fashion Week. Então mudou o perfil do SPFW, mudou a cara da passarela brasileira, e, de alguma forma, eu já não vinha me sentindo confortável.

De vez em quando eu até faço um desfile, eventualmente, mas aí apareceram outras coisas. Eu trabalho com as expedições, com as comunidades. Foi algo que eu usava a moda como desculpa para estar fazendo e hoje eu faço sem ter que dar desculpa.

OP - Como começou essa parceria com a Que Visu? E como essas expedições mudaram o seu olhar para o País?

Ronaldo - É um projeto criado por nós, não é uma parceria, é mais do que isso. A primeira vez que eu pus os pés no Cariri paraibano foi em 2000 e pouco. Eu fui conhecer a renda Renascença, à convite de uma instituição. E aí a Paraíba entrou na minha vida para não sair nunca mais.

O Estado da Paraíba foi o primeiro a ter uma Secretaria do Artesanato, então, um Estado que tem uma uma indústria de manufatura meio tímida, era importante que ele investisse na indústria criativa e assim foi feito.

As pessoas começavam a acompanhar diariamente aquilo e pedindo: 'Pelo amor de Deus, me leva nesse lugar, eu pago para estar nesse lugar'.

Aí nasceu a expedição Ronaldo Fraga Que Visu. A primeira expedição era para ser de dez pessoas. Com dois posts, a gente teve que estender para 15 e hoje chegou ao limite de 20 pessoas. Já foram mais de 26 expedições para a Paraíba, fora as do Cariri cearense.

Sabrina - Esse pioneirismo que o Ronaldo está falando em relação às expedições, totalmente se aplica à questão da moda. O livro cristalizou isso, porque o Brasil precisa muito ter memória, registro, reconhecer isso. Eu acho que por isso mesmo que deu liga, porque o Ronaldo queria falar de outras coisas além de moda. E eu também queria ouvir outras coisas além da moda.

OP - Você se enxerga assim como um precursor, um desbravador?

Ronaldo - Bom, hoje, com 58 anos, com essa quantidade de desfile e com três décadas de formação, eu posso olhar para trás e falar assim: 'Nossa, eu abri um caminho'. Não só eu, mas tem um grupo de estilistas que cumpriu esse papel.

Claro que eu sofri críticas com uma ou outra coleção. Ouvi 'não, isso não é para ser dito pela moda. A moda, o lugar da passarela, é uma modelo e de referência de beleza anglossaxônica, com uma busca eletrônica, numa passarela perdida. Não tem que falar sobre esses assuntos espinhentos, não tem que falar sobre a tragédia de Mariana'.

Quando eu vejo uma nova geração de estilistas no próprio São Paulo Fashion Week que estão colocando em pauta questões que não eram 'questões da moda', eu olho e falo: 'Ah, valeu ter feito isso'.

OP - E esse reconhecimento ajuda você a permanecer no segmento?

Ronaldo - Eu nunca tive essa paixão pela moda enlouquecedora, como uma paixão cega. Minha paixão era por outra coisa. Era criar e usar a roupa como suporte para falar de várias coisas. Hoje, por exemplo, com a maturidade, eu vejo que a importância está na roupa, não está na moda. A moda em si, para ser entendida como moda, ela vai ter que atingir um grupo, uma classe, ela vai ter que ter um retorno econômico de venda daquilo.

No caso da roupa, não. O que você faz com a roupa quando você compra, a vida que você vai dar a essa roupa na sua vida, é muito mais forte do que a moda da capa das revistas. E foi o mundo que 'acabou', que quando eu falava virou manchete e os colegas me apedrejaram.

OP - Se fosse criar algo hoje, o que te inspiraria?

Ronaldo - Tem muita coisa que me inspira, mas sempre o Brasil. Eu poderia, por exemplo, ficar uma vida inteira falando, fazendo desfiles e coleções etnográficas, ficar na literatura. Quantos artistas da cultura brasileira que foram pilares importantíssimos para história desse País, que eu poderia ter ficado nas coleções biográficas?

Não faltam assuntos para uma coleção, mas a paixão que eu não perco, de jeito nenhum, é pensar o corpo como suporte para esse manifesto. Eu acho isso mágico, poderoso. E a mídia mais importante que existe é justamente essa, o corpo. E as pessoas não têm noção disso, porque o que você veste, que você põe e como põe, quem manda é você, a escolha é sua.

Sabrina - Uma coisa que o Ronaldo traz para além da moda e que me inspira e comentam é a coragem de viver. As suas escolhas quanto ao que você veste, é a coragem, na verdade, de ser quem você é em tudo. E isso é algo que, como tudo na vida, parte de pequenos gestos até você dominar a arte da coragem, de você sempre se bancar mesmo, bancar seus desejos, suas escolhas, suas mudanças.

 

pós-entrevista com Ronaldo Fraga, no DFB Festival, em 2016
pós-entrevista com Ronaldo Fraga, no DFB Festival, em 2016

Memórias de uma jornalista

Essa foi a terceira entrevista que eu fiz com Ronaldo, com o mesmo frio na barriga. A primeira foi no MaxiModa, em 2013, e a segunda em 2016, para o site Penteadeira Amarela, ao lado da jornalista Alinne Rodrigues.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 15-10-2025:  Ronaldo Fraga, estilista e Sabrina Abreu, Escritora. Lançamento do livro Memorias do estilista coração de galinha. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 15-10-2025: Ronaldo Fraga, estilista e Sabrina Abreu, Escritora. Lançamento do livro Memorias do estilista coração de galinha. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)

Memórias de um estilista coração de galinha

Sabrina Abreu levou cerca de 9 anos para concluir a biografia de Ronaldo Fraga. O que começou como contatos insistentes por e-mails resultaram não apenas em uma obra de 445 páginas recheadas de histórias, memórias e afetos, mas em uma amizade. Durante encontros periódicos, a dupla se apoiou em momentos alegres, sensíveis (como a pandemia da Covid-19) e dores pessoais.

Destaque para a mistura de temas, indo da passarela à vida privada, da infância à militância, apresentados no formato de entrevista, e para fotos e croquis.

 

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