
A Layout é um espaço que aborda o mercado publicitário local e nacional. Cliff Villar é jornalista, publicitário e professor. Atualmente é diretor Corporativo do Grupo Comunicação O POVO
A Layout é um espaço que aborda o mercado publicitário local e nacional. Cliff Villar é jornalista, publicitário e professor. Atualmente é diretor Corporativo do Grupo Comunicação O POVO
A Layout convidou o publicitário Paulo Fraga, da Agência Íntegra, e o escritor e teatrólogo Ricardo Guilherme para falar sobre o polêmico “encontro” entre Elis Regina e Maria Rita na campanha de 70 anos da Volkswagen. Confira a opinião desses dois craques.
Por: Paulo Fraga, sócio-diretor da Íntegra Comunicação. Único head de criação na história da propaganda cearense com prêmio no The Art Directors Annual Club NY.
Muito se tem falado sobre a propaganda em comemoração aos 70 anos da Volkswagen no Brasil. No filme, criado pela agência brasileira Almap BBDO, uma mulher dirige o ID.Buzz (espécie de bebê da Kombi e aposta elétrica da marca no país) enquanto canta a música Como Nossos Pais, do cantor e compositor cearense Belchior. A mulher que canta é a talentosíssima Maria Rita.
Na sequência, de forma surpreendente, surge na tela ninguém menos que Elis Regina, morta em 1982. Neste momento, a mágica toma conta da tela. Mãe e filha fazem um dueto tão desejável quanto irreal, tão emocionante quanto inimaginável, tão possível quanto artificial.
A partir daí, o comercial segue o rito dos tempos atuais, contaminado pelos humores das redes sociais, redemunhando opiniões, atraindo fãs e detratores, catalisando lovers e haters. Como um prisma, apresenta várias facetas: a música escolhida, a dupla que o protagoniza, as novas ferramentas digitais.
Cada um destes itens tem potencial para incendiar bate-papos, fazer render episódios de podcasts, protagonizar lives, virar assunto nas salas das universidades, consumir litros de tinta, bobinas de papel e gigas de memória RAM.
Discussões homéricas que vão além da comunicação. São investigações sobre ética, estética, filosofia, defesa de minorias, conduta espúria no passado das empresas, futuro da humanidade, perigo de novas tecnologias. Enfim, o escambau.
A canção do bardo sobralense é também um capítulo à parte. Há muito já ficou marcada como um hino daquela geração, uma espécie de biografia do fracasso. Pelo menos é o que se vê em versos tão tristes e duros quanto definidores e icônicos como “eles venceram e o sinal está fechado pra nós” e “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.
Afinal, quer lamento mais verdadeiro do que ver que os ideais que você um dia acreditou, exatamente pela mensagem que os seus ídolos fizeram reverberar e, num dado momento, ver que estes mesmos ídolos trocaram este mesmo sonho tão somente pelo “vil metal”?
O fato é que muitas das críticas vão além da peça. Isto porque a propaganda não está dissociada da realidade que a envolve ou alheia à sociedade que a consome. A propaganda, na verdade, é uma rarefação da realidade. E acontece microssegundos após a realidade se afirmar.
Hoje, ao ligar a tv, acessar o YouTube ou clicar no celular, é possível ver propagandas dos mais variados produtos, com pessoas negras no papel de protagonistas ou ainda de pessoas com orientação sexual LGBTQIA+.
E por quê? Porque exatamente isto está acontecendo antes na sociedade. E ao acontecer, acontece em seguida na propaganda. A inteligência artificial já é uma realidade na sociedade e a propaganda, vetor de tendências que é, já se apropria dela.
Outro ponto relevante é que o Conar, importante órgão de autorregulamentação da propaganda brasileira, e identificado com os princípios da democracia, foi acionado por consumidores para julgar se é ético o uso de inteligência artificial para trazer pessoas mortas à vida. Ora, perdão pelo trocadilho, mas esta discussão é natimorta.
Primeiro, a humanidade já está brincando de Deus há mais tempo, por meio da genética e de recursos de fertilização, dando às pessoas a possibilidade de escolher a cor dos olhos e dos cabelos dos futuros filhos.
No caso específico do filme do novo veículo da Volkswagen, quem, em tese, detém os direitos de imagem da Elis são os filhos. Maria Rita, a única filha, participa do comercial e ganhou cachê para isto. O irmão mais velho, João Marcelo Bôscoli, deu o aval elogiando o comercial e a ferramenta de A.I. O irmão cantor, Pedro Mariano, estuda fazer um show 3D cantando com a mãe.
Sem falar naqueles que criticam a Volkswagen porque no passado ela apoiou o nazismo, produzindo carros para Hitler. A crítica é pra lá de legítima. À Volkswagen, não à propaganda. Em resumo, todas as discussões são bem-vindas. E, importante lembrar, estão vindo à tona também pela força do comercial.
Do ponto de vista estético, o filme é um primor. De tão bem feito, parece mais uma peça de cinema. Deve arrastar prêmios no Brasil e mundo afora. Sua beleza é comovente. Comunica. Conecta. Conforta e provoca. Mas, a despeito de todas essas questões, é só propaganda. E da boa. Daquele tipo mais difícil de fazer.
Por: Ricardo Guilherme, escritor e teatrólogo
Click, click. E eis a ex-Elis no link. A uma clone de Elis, a chamada Inteligência Artificial nos conecta para provar que, pelo menos na tela, aquela f-Elis Regina não finda. Das cinzas cibernéticas, a Fênix-Elis se ergue esguia e se anima, se aviva e se move, bela e bélica nos versos de nosso Belchior.
Como se fosse uma pessoa assimilável em sua realidade a existir em movimento e cognição, a morta imortal se avoluma e se condensa, novamente densa, tensa, intensa, mas um falso brilhante, simulacro de si mesma, a habitar um também simulacro de lugar.
Rompem-se, assim, tanto as fronteiras do espaço quanto as fronteiras do tempo e da corporeidade. Ali está em re-start a Elis, mas uma Elis não-sangüínea, um corpo pós-biológico que a organicidade computável construiu em telepresença, um duplo eletrônico da tecno-genética, não a pessoa mas a persona, avatar, de nickname Elis.
Sem carne, sem ossos, esse não-ela de Elis se materializa em versão metaverso. E o ícone de algoritmo torna possível o impossível: com um click e um enter temos então o inter, o elo de filha e mãe, em interação que devassa os fossos da temporalidade. As duas se enredam, desbravam territórios, traçam trilhas virtuais.
Convivem. Uma de fato e a outra fake, apenas pele de tele. Estão tão longe e tão perto na cartografia da tela. Ambas performáticas. Entretanto, uma se agita diante da outra que a técnica cogita. Rita criatura; Regina recriação. Rita viva; Regina rediviva. Acontece, então, um encontro que não acontece.
Parafraseando Belchior, digamos que estamos pré-encantados e pós-desencontrados com essa nova invenção, ainda que saibamos que o novo sempre vem. O que nos inquieta nesse devir são os seus vãos, os desvãos, seus desvios, os teores propulsores dessa inteligência generativa que sistemas subsidiam para fomentar a razão e fermentar a emoção a partir de interesses ideológicos.
Além das repercussões consideráveis no âmbito das autorias, autonomias e automação do trabalho braçal e intelectual, preocupantes são os subsídios de edição - as ideias, os ideais, as ciências e as consciências - que a máquina-mater dos supercomputadores se dispõe a gerar e gerir sob controles geopolíticos.
Porque apesar de termos nos feito tudo que nós nos fizemos, precisamos todos rejuvenescer pensando e repensando sobre as intervenções dos inventos.
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