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Há estética para todos?
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

Há estética para todos?

Imagens falam, e essa propaganda grita. E se ela está ali para ser olhada, olhemos. Que elas não passem despercebidas por nós, pois não passamos despercebidos por elas.
Tipo Opinião
Outdoor com propaganda de empresa de estética e saúde, em Fortaleza. (Foto: Luana Sampaio)
Foto: Luana Sampaio Outdoor com propaganda de empresa de estética e saúde, em Fortaleza.

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Todos os dias passo por essa imagem. É a propaganda de uma empresa de estética e saúde, em Fortaleza. O ônibus e minha posição nele às vezes permitem que eu olhe pra ela e, no correr dos segundos do semáforo, consegui fotografar tortamente partes dessa propaganda que não entendo como passou despercebida pelos problematizadores de plantão nas redes.

E não estou ironizando os militantes online, em verdade estou me perguntando sobre as coisas que acontecem, ainda, no mundo analógico, e que nem sempre ganham o espaço online que deveriam, por qualquer razão que seja. Mas se uma fotografia tortamente tirada pode gerar o debate que tanto me inspiro em levantar, que assim seja. Por qual das partes desse quadro retangular devo começar?

“9 das 10 principais causas de morte poderiam ser evitadas se as escolhas corretas fossem feitas”, diz o texto principal. Ao me perguntar sobre quais seriam tais escolhas, já compreendo que quem as detém, certamente é a tal empresa (ou pelo menos ela deseja nos convencer que sim).

A frase vem acompanhada de uma imagem que ilustra o que seria o conhecido desenho da evolução do Homo Sapiens, e não é possível fazer “olhos de mercador”, se me perdoam a expressão, quando notamos que na medida que esse homem evolui, ele vai, também, embranquecendo. Mas não apenas isso: quando torna-se branco, ele se “parte” em dois. O primeiro se mostra um homem alto, jovem e magro, mas que logo fica para trás quando o mais evoluído de todos, o homem branco, velho, gordo e calvo, entra em cena.

Outdoor com propaganda de empresa de estética e saúde, em Fortaleza.(Foto: Luana Sampaio)
Foto: Luana Sampaio Outdoor com propaganda de empresa de estética e saúde, em Fortaleza.

Se isso é um problema, é aí que a salvação chega. “Podemos te ajudar a escolher a vida”. A voz ativa logo anuncia o comando para o leitor agendar a consulta e, em seguida, ligar para o telefone que é disponibilizado ao lado da logomarca da empresa.

Vamos começar? Evolução associada, ainda e somente, ao sexo masculino. Nesse caso, associada também ao embranquecimento da pele do ser humano. A velhice, o corpo gordo e calvo, são ditos uma causa de morte, e diretamente ligada a uma simples questão de se fazer “escolhas corretas”. Não sendo o cenário grotesco e desrespeitoso o suficiente, a empresa ainda sinaliza uma relação dita intrínseca entre magreza e saúde, se colocando como mediadora dessa “escolha pela vida”.

Por quantas mãos passaram essa propaganda e como puderam ser incapazes de perceber o desrespeito contido nela? O preconceito? Será que (realmente) não perceberam? Enquanto tantos influencers tentam nos convencer de que “não é sobre estética, é sobre saúde”, empresas que poderiam oferecer o serviço de suporte ao emagrecimento de forma humanizada e não traumática, insistem em apelar para o discurso mortífero que é ridicularizar pessoas gordas. Não há outro modo de se pensar esse negócio? Não é possível pensar estética sem pensar em exclusão?

Imagens falam, e essa propaganda grita. E ela está lá, instalada na área nobre da capital cearense, vendo pessoas de todos os corpos, cores e idades passarem por ela. Imagens querem ser vistas, principalmente quando estão em um outdoor. E se ela está ali para ser olhada, olhemos. Mas olhemos atentos ao texto, às cores, às formas, aos desenhos. Que elas não passem despercebidas por nós, pois não passamos despercebidos por elas.

Foto do Luana Sampaio

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