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A representatividade aumenta, a desigualdade não diminui
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

A representatividade aumenta, a desigualdade não diminui

Estamos progredindo e vamos continuar. As conquistas, porém, não podem nos desviar. Enquanto a indústria da imagem entende a demanda social por mais diversidade, a denúncia de que ela mesma rejeita chegar até as veias dos reais problemas para solucioná-los ainda deve permanecer.
Comercial Skol - Skolors, 2017 (Foto: Reprodução: publicidade Skol)
Foto: Reprodução: publicidade Skol Comercial Skol - Skolors, 2017

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Uma das demandas sociais mais em voga nos últimos anos é o aumento da representatividade, da diversidade de pessoas e individualidades tanto nas mídias de grande massa como em lugares de poder e decisão. A ausência de mulheres, pessoas negras, pessoas da comunidade LGBTQIA+, pessoas com deficiência, dentre outros grupos social e historicamente marginalizados, vem sendo cada vez mais denunciada por membros dessas comunidades e por aqueles “fora” delas, uma vez que muitos se consideram aliados dessas lutas.

Na corrente, tornou-se uma preocupação de empresas e instituições o aumento (e a exposição desse aumento) da diversidade em seu quadro de funcionários ou contratos, isto é, uma companhia cria um comitê de diversidade aqui, outra convida pessoas dessas chamadas “minorias” a estamparem suas campanhas, uma outra cria prêmios para dar visibilidade a causas sociais, e assim temos a sensação de que estamos realmente avançando e que os diversos modos de ser e estar no mundo estão finalmente sendo considerados.

E estão. Hoje tornou-se comum vermos empresas diversificarem o quadro de modelos que protagonizam suas campanhas. Produtos específicos para cabelos, pele e corpos diversos são criados para contemplar a especificidade de cada um deles. E quando essas empresas erram feio… ah, não se preocupe, elas irão lançar nota de repúdio, dizer que sentem por “quem se sentiu ofendido” e que vai melhorar a abordagem da próxima vez - afinal de contas, errar é humano, mas deixar de lucrar é inadmissível.

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As novelas não ficam de fora dessa equação. Há quanto tempo os movimentos sociais reivindicam que a mulher preta na novela das seis, das sete ou do horário que for, não seja somente a babá, a pobre, a sofrida? E o personagem gay vai poder um dia deixar de ser cômico e sempre alvo de violência? Cadê a protagonista gorda?

As novelas são, provavelmente, o produto de entretenimento audiovisual mais acessível do nosso país, captam a atenção de milhões de pessoas e são a janela pela qual podemos conhecer novas histórias. Daí a importância da representatividade, pois se para muitos elas são um mundo possível de ser visitado, é interessante que esse mundo seja o mais acolhedor possível.

É fato que a representatividade vem se ampliando, o que significa a vitória de uma demanda discutida há décadas e que só nos últimos anos vem sendo ouvida. Por outro lado, fiquemos atentos: esse processo não acontece por bonança, mas por lucro e pressão. Ora, se vou vender mais ao anunciar maquiagens para diversos tons de pele, por que não fazê-lo? Se tratar de temas espinhosos em novelas vai me fazer corajosa ao olhar de outros, por que não, também? Não se trata de consciência sócio-política, mas demanda mercadológica de uma sociedade em movimento.

Sem dúvida alguma a novela deve ter protagonistas negras, falar de racismo ou de feminismo, mas ela jamais vai se dispor a combater social, humana, política e economicamente as raízes da subalternização desses mesmos corpos que ela parece valorizar em suas narrativas. A questão é a seguinte: o aumento da representatividade não significa a diminuição da desigualdade.

 

"Pauta transformada em consumo continua promovendo exploração" Professor Régis Lopes

Com a representatividade avançando, nossa luta precisa avançar também, de modo que se questione a razão de a novela estar tão interessada em debater pautas em alta, mas não tensionar com profundidade o seu próprio recorte histórico-racial, a igreja, agronegócio, o garimpo ilegal, o assassinato de ambientalistas, a propriedade privada ou a mais valia, para dar só alguns exemplos.

As origens da desigualdade no nosso país, que são muitas, provavelmente nunca serão cutucadas. Como disse o professor Régis Lopes, à luz de Walter Benjamin, “a história dos que estão perdendo não pode ser a da novela”, pois ela ainda carrega sangue, raiva, saudade, rebeldia, opressão, reparação. Não sei se vamos viver para ver outras histórias, então que pelo menos possamos ainda comemorar as vitórias e sem perder de vista as lutas à frente.

Foto do Luana Sampaio

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