Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história
Entre talkshows e paralisações de transporte, memes e políticos opinam sobre a greve de metrô e CPTM de São Paulo. No meio disso, o cinema nos remete ao que fomos e, talvez, ainda sejamos
Foto: Nicole Bahls e Danilo Genitli (Rogerio Pallatta-SBT)
Nicole Bahls e Danilo Genitli (Rogerio Pallatta-SBT)
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Um vídeo da modelo Nicole Bahls defendendo o transporte público de São Paulo chegou até mim como um meme, mas acabou se mostrando um vídeo bem interessante. Ao responder uma pergunta do problemático Danilo Gentili sobre a privatização do transporte público em São Paulo, a modelo disse que achava a medida um absurdo "porque o povo paga impostos, não deve pagar para empresas privadas. Acho que devem liberar para o trabalhador...". Em meio às diversas montagens bem-humoradas que as pessoas fizeram com a fala de Bahls - inclusive colocando a imagem dela junto à bandeira da União Soviética e adicionando uma música ufanista - temos uns pontos interessantes a notar sobre o assunto.
Sobre ele, inclusive, tivemos o governador de São Paulo, na semana passada, se opondo à greve de Metrô e CPTM, como era de se esperar. Enquanto a categoria se manifestava contra as privatizações feitas pela gestão estadual, Tarcisio de Freitas se limitou a segregar os trabalhadores e dizer que a greve tinha motivação política, esperando, com isso, dar a ideia de que os grevistas agiam por motivações pessoais quando, na verdade, o que ocorre é o posto.
Ora, é evidente que a motivação é política! Mas não da forma como Tarcisio e outros políticos e personalidades querem que entendamos o termo. Greves são uma das manifestações coletivas mais relevantes do nosso mundo moderno, um fenômeno que vem marcando a história da classe trabalhadora, especialmente após a industrialização dos meios de produção do ocidente.
Foto: Marcelo S. Camargo / Governo do Estado de SP
Tarcísio de Freitas
Greves são manifestações políticas organizadas e são políticas porque visam à conquista de direitos fundamentais e melhorias de condições de trabalho para toda uma classe. Estamos falando de uma luta coletiva em prol de um objetivo também coletivo. Orquestradas por uma classe que ao longo da história sempre esteve em desvantagem por não usufruir das riquezas que produz, as greves se mostram como uma forma de protesto legítima, e incomoda porque funciona.
Veja, greves foram feitas para incomodar, não há dúvida quanto a isso. Elas querem fazer barulho, chamar atenção para uma problemática, convidar outras classes para o debate. A população deseja ser ouvida, opinar na mesa de decisões, ter um mínimo de autonomia. É evidente que no caso de SP, há o ônus direto para a população que depende diariamente do transporte público, assim como também o é o fato de que é muito mais fácil colocar essa conta nas costas dos trabalhadores, do que nos ombros daqueles que detém efetivamente o poder de decisão e diálogo para com essa classe e suas reivindicações.
Não sejamos inocentes. Sabemos do que se tratam as privatizações, do cenário de sucateamento trabalhista no qual milhões vivem hoje - dentro e fora do Brasil - e sabemos mais ainda que o valor que pagamos por serviços públicos muitas vezes não correspondnte ao que recebemos em troca. No caso do transporte coletivo, podemos até lembrar do que vivemos em Fortaleza há poucos meses, com a tarifa de ônibus sendo aumentada em R$ 0,60 em Março, mas sem que de lá pra cá houvesse grande melhoria no serviço ofertado.
Aqui, andamos em ônibus com portas quebradas, equipamentos de acessibilidade danificados, motoristas pulando as paradas e ignorando os passageiros, existe insegurança e assaltos dentro do transporte, andamos de ônibus com assentos danificados, e a lista continua. Seria a solução privatizar ou efetivamente investir o dinheiro arrecadado na melhoria do transporte, uma vez que é um dos poucos serviços públicos que temos de pagar para utilizar?
Poderíamos citar Tempos Modernos, o conhecido filme de Charlie Chaplin no qual os humanos se automatizam, viram máquinas de produção em massa cuja força de trabalho jamais será suficiente para matar a sede do patrão. O filme é de 1936, muitos de nós o assistimos ainda na escola. Será que 87 anos depois, algo mudou? Será que nós mudamos? Acredito haver poucas surpresas no caminho, mas uma delas certamente é ter um meme de Nicole Balhs como aliada.
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