Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história
Solidão é assunto e imagem. O local onde se permite sentir-se mais tem estética e confusão. Quão semelhantes parecem arte e discurso, terapia e histórias dos outros.
Foto: Autor ainda desconhecido
Quadro em uma sala de espera.
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Na sala de espera de uma psicóloga existe um quadro de uma imagem meio anos 30. Uma mulher está sentada com uma xícara de café na mão, olhar cabisbaixo, em um ambiente que sinto ser tão vazio quanto ela. É noite, um janelão deixa a escuridão entrar, mas não a ponto de suavisar a luz interna do ambiente.
Não tem ninguém, sozinha ela compõe o vazio e me sinto como ela, várias vezes. Preferindo o choro na cama a uma desolação numa cafeteria qualquer, me enrolo como vejo que parece o cérebro dela se enrolar também. Não consigo parar de olhar aquele meu duplo vestido de casaco, ao lado do aquecedor em um local que nunca conheci, e que sustenta um olhar que é familiar como eu.
Nunca falei com a psicóloga sobre isso. Por vezes penso em parar de ir, esse negócio de psicanálise e de falar sem ouvir não me parece certo, não dá. Saio tão mal quanto entro. Tão só, igualmente. Não sinto acalento. Como poderia? Estou fazendo tudo errado? Esse sentimento já contei a ela, mas mesmo assim, nada muda, e me despeço semanalmente com o mesmo desalento da moça no quadro.
Foto: Autor ainda desconhecido
Quadro em uma sala de espera.
Por vezes imagens paradas parecem coisa do passado ou coisa de loucura de quem fez, quem pintou, quem achou que aquilo nos faria parar por trinta minutos. As vezes sim. Em outro contexto que não de espera, eu poderia ignorá-la e me sentir mais vazia. Mas me pergunto o que ela pensa, me relaciono, como se eu já não soubesse a resposta.
Acho que sei o que as pessoas pensam. Tem um tino, uma impressão que não sei o que é, mas sei o que significa. O tempo geralmente traz a resposta e geralmente sou bem-sucedida em impressões prévias. Mas também erro, e bom é notar que as pessoas que mais errei foram as que mais estiveram próximas a mim em fases medonhas e nem tanto da minha vida.
Não quero perguntar a ela sobre a história daquele quadro. Não saber faz parte, escolher não saber também. Não quero ser alheia, que me alheiem, mas algumas pessoas precisam fazer isso, talvez tenham feito com a moça no quadro. Sem saber o dela e sem saber o meu, já que a psicóloga não me fala e falho em descobrir só, crio relações que não existem com quem não existe.
Se a vejo é por ela estar ali, se mexendo em movimentos mínimos que projeto em uma estética realista que parece tocar jazz, tal como toca a caixa de som na sala de espera. Não sei se é proposital fazer esperar no vazio ouvindo jazz. Deve ser, afinal combina com quem de lá sai tão só que só mesmo aquela mulher sozinha pode entender. Pena que não conheci os anos 30.
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