Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história
Foto: EVARISTO SA/AFP
Atos golpistas no 8 de janeiro em Brasília
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A Globoplay lançou o documentário "8/1 - A democracia resiste", que conta os bastidores do plano de contenção do ataque golpista em Brasília em Janeiro de 2023. O filme se destaca pelo ineditismo de algumas imagens, a presença do depoimento dos principais agentes em operação no dia e por, de fato, mostrar detalhes ainda desconhecidos sobre todo o processo de tomada de decisões.
O ponto alto do filme é, sem dúvida, o impasse entre os representantes do executivo e o alto comando do Exército. Ricardo Capelli, interventor, recebe ordens de que os acampamentos bolsonaristas sejam desmontados e os golpistas presos. Quando se dirige ao comandante Julio Cesar Arruda, recebe um “não” como resposta. Flávio Dino, que chega na reunião logo depois, diz que “nós vamos cumprir o que a lei manda”, e escuta um seguro “não, não vão”, do comandante.
O filme como um todo é recheado de ameaças veladas que perpassam pela inação dos agentes de segurança, pela surpreendente tolerância ao quebra-quebra bem à sua frente, pela tentativa do governo de encontrar os responsáveis pelo DF, pelas ligações não atendidas, pelas ordens não cumpridas e pelo embate que demanda convencer as forças armadas a chegarem a um acordo, quando na realidade a sua função é simplesmente servir à institucionalidade do país.
Foto: Reprodução do filme
Flávio Dino em frame do filme 8/1 - A Democracia Resiste, e Julia Duailibi e Rafael Norton, 2024
O fato de a TV Globo ter acesso ao presidente Lula, ao ministro Alexandre de Moraes, Flávio Dino, José Múcio Monteiro e outros, é o fator que, em si, viabiliza a narrativa, uma vez que ela opta construir-se sob a égide da democracia e, para isso, ouve figuras políticas em espaços institucionais. Com isso quero dizer que o filme tem um lado, e é aqui que um elemento pulsa: se o documentário é jornalístico e assume narrativamente sua posição política, onde fica o discurso cansativo da imparcialidade? Teríamos encontrado o limite? Precisamos chegar até esse ponto para termos um limite?
TV Globo, assim como outros veículos, foi aliada do Golpe Militar de 1964. Após a redemocratização, foi responsável por favorecer candidato x em detrimento do candidato l. Mais recentemente, foi uma das principais responsáveis por tornar o antipetismo pop ao fazer de uma crise um palco de ódio e nacionalismo equivocado. Mas agora, após a tentativa escrachada de golpe de Estado em 8/1, ela produz um filme que toma outro posicionamento:
“Eles colocaram o tanque lá muito mais pra proteger o acampamento do que pra dar força pra nós”, diz o presidente Lula. “Tinham ódio nos olhos, ao que nós representávamos”, afirma Flávio Dino. “Parece que a última palavra foi do exército”, provoca Julia Duailibi, e mesmo com Múcio negando, ela insiste, e monta um conjunto de sequências instigantes que assustam por transparecer que o golpe parece nunca acabar, que a conspiração dentro e fora dos quartéis está sempre uma marcha à nossa frente.
(Foto: Reprodução do filme "8/1 - A democracia resiste")Ricardo Capelli em frame do filme "8/1 - A Democracia Resiste", de Julia Duailibi e Rafael Norton, 2024.
(Foto: Reprodução do filme "8/1 - A democracia resiste")Comandante Júlio César Arruda em frame do filme "8/1 - A Democracia Resiste", de Julia Duailibi e Rafael Norton, 2024.
(Foto: Reprodução do filme "8/1 - A democracia resiste")Imagem da 11ª Região Militar em frame do filme "8/1 - A Democracia Resiste", de Julia Duailibi e Rafael Norton, 2024.
Todo filme tem um lado. São feitos por pessoas e essas pessoas tem seus posicionamentos, suas crenças. Todo filme é também um recorte e reúne um conjunto de escolhas para contar uma história, seja ela qual for. Insistimos em dizer que não somos alheios ao que nos interessa e nos move. Partir desse princípio é questionar aquilo que vemos e lemos com maior lucidez, compreendendo o explícito e o implícito com menos ilusões. "8/1 - A democracia resiste" é um filme jornalístico, mas também de história e de presente que irá se tornar pedaço de memória.
Em 2024, vamos lembrar dos 60 anos do golpe de 64 e dos 21 anos em que a ditadura militar ficou no poder no Brasil. Depois de 8/1, pergunto: algum dia o golpismo vai dormir com os dois olhos fechados?
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