"Não ter foto da família é como não ser parte da história da humanidade"
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história
Foto: Marion Kalter
Sociólogo e filósofo francês, Roland Barthes.
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Um dia em um evento sobre pesquisa e cinema em Curitiba, vi uma moça de vinte e poucos anos falar que não tinha nenhuma fotografia sua de quando era criança, ela não sabia como ela era. Também não tinha foto dos avós falecidos. Ela estava falando que não conhecer o seu próprio rosto ou dos avós, condicionava toda sua pesquisa em imagem.
Roland Barthes, ao produzir um dos ensaios mais icônicos sobre imagem, fala do que pulsa e atravessa na fotografia e que está para além da materialidade do momento que nunca mais se repetirá. Ao encontrar uma foto que nunca tinha visto da mãe há pouco falecida, Barthes ultrapassa o dispositivo imagético e fala do que é inexplicável, do que punge, move e transforma quem lança um olhar para ela.
O que faz o sociólogo inovar e tornar-se referência nos estudos de imagem não é nada menos que a foto de sua mãe. "Mostre suas fotos a alguém: essa pessoa logo mostrará as dela", ele diz. Que outras coisas nos movem tanto como um desejo quase incontrolável e instantâneo de, ao ver a imagem alheia, querer mostrar também as nossas?
Foto: Reprodução Blog Máquina de Letras
Livro "A câmara clara", de Roland Barthes.
A vida empresta sua imagem para a memória e para o objeto. A fotografia enquanto material irá reproduzir ao infinito aquilo que é único. E seu significado muda ao longo do tempo, ainda que a imagem permaneça. A fotografia não é estática, uma vez que a vida e os sentimentos dão significado a ela, e esses não cessam de se transportar. A ideia de congelamento do tempo parece gracejo, agora.
Barthes nunca mostrou a fotografia de sua mãe, e talvez com isso tenha estabelecido um dos paradoxos mais interessantes de nossa era imagética. Não mostrar difere de não vê-la, você mesmo. Me pergunto o que a colega de Curitiba iria produzir caso suas imagens de família não fossem uma lacuna em sua identidade. Provavelmente seu olhar sensível iria se voltar para outra direção.
Uma grande amiga, Mari Farias, teve sua primeira filha. Ela quis recolher fotos suas e do esposo de quanto eram crianças para ver com quem a bebê se parecia. Mas ela não tinha uma fotografia sua, e se dar conta dessa ruptura deixou um rastro de angústia, o desconhecido pode ser concretamente eterno. “Não ter foto da família é como não ser parte da história da humanidade", disse a ativista chilena Anna Gonzalez. Em contextos de ausências bem distintos, algo permanece. É o que atravessa, o que não pode ser congelado, o que pode nem existir, mas vive pela falta que faz.
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