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O julgo de uma câmera de segurança
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

O julgo de uma câmera de segurança

O que ela diria falasse?
Tipo Opinião
Exemplo de Central de Segurança. (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Exemplo de Central de Segurança.

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Minha mãe fez um brechó para colher recursos e realizar uma atividade coletiva no setor onde trabalha. Uma colega entregou uma sacola de roupas para serem vendidas, mas quando minha mãe foi buscá-la, não estava onde foi deixada. Sumiu.

A equipe foi acionada, os chefes também, a dona da sacola informada, e minha mãe seguiu para o setor de segurança em busca das imagens das câmeras de segurança. Viu uma vez, duas, três, quinze. Talvez vinte. Em uma delas, a ficha caiu. Uma companheira de anos foi reconhecida.

Ao fim do dia, minha mãe me fala: preciso desabafar. Ela conta a história, diz como está decepcionada, pensa em qual estratégia adotar. Lembra que comentou com a tal colega que iria abrir processo administrativo e registrar Boletim de Ocorrência, e ela disse: pra quê isso tudo? Por uma sacola? E eu falei: se ela disse isso, é porque não conhece a senhora.

Exemplo de imagem de câmera de segurança.(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Exemplo de imagem de câmera de segurança.

Uma imagem desaba um mundo. Por mais romântico que pareça, é dilacerante. Restam poucas perguntas quando uma cena é o que é em si, sem fumaça e sem caminhos. Uma mensagem é uma mensagem. Uma imagem, também. Uma imagem em movimento é o silêncio que ela nos causa quando supera tudo o que criamos e imaginamos pra nós, e se revela crua como é.

A câmera de segurança, que tão cotidianamente escorre sangue em seus pixels amostrados, desnuda ações e, quando sempre, relações. No caso de minha mãe, essa câmera distante e esquecida, solicitada somente via interesse, responde à altura: eu vi o que você não pôde ver.

É cena tribunal. O paradoxo está nessa câmera que julga a todos para culpar ou inocentar, mas só o faz quando pedem. Quando não, é somente um registro de fixas passagens à espera de um olhar menos vigilante. O que querem as imagens? Um dia perguntou um autor. O que queremos nós quando vemos uma imagem?

 

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