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Dignidade virou luxo para a Prefeitura?
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

Dignidade virou luxo para a Prefeitura?

Destacando serviços como "melhorias de drenagem" e "instalação de piso intertravado", a Prefeitura se lisonjeia em dizer que está fazendo um número recorde de obras para quem mais precisa. Mas do que mais eles precisam?
Tipo Opinião
Propaganda do
Foto: Prefeitura de Fortaleza Propaganda do "Novo Proinfra", programa da Prefeitura de Fortaleza.

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A Prefeitura de Fortaleza lançou um vídeo para divulgar e publicizar o “Novo Proinfra”, programa lançado em Fevereiro deste ano, que promete urbanizar 760 ruas e beneficiar 180 mil habitantes em áreas carentes da capital. Estaria tudo bem se essa fosse somente mais uma propaganda, mas não é o caso.

No vídeo, uma mulher chamada Nara Paiva, moradora da comunidade 7 de setembro, diz sorridente: “Aqui era tudo lama, agora parece rua de bairro chique”. Ora, deixe-me notar bem. Ao executar um programa de urbanização de ruas, a Prefeitura usa como case de sucesso uma moradora que, por deixar de andar na lama, acha que sua rua agora é igual a de bairro chique?

Há muitas camadas aqui. A primeira delas certamente é a sensação de que, para a Prefeitura, ter um mínimo de dignidade é ser chique. Veja, estamos falando de um lamaçal sujo, que atrai animais, gera doenças, causa acidentes, põe em risco a vida das pessoas, e que quando é solucionado não parece trazer cidadania, mas “chiquesa”.

“Chiquesa” essa que, segundo a propaganda sugere, somente uma parte da cidade possui, já que só agora, por meio do programa, ela chegou para as áreas carentes. É a Prefeitura reconhecendo sua própria segregação. E é perverso, ainda, pois enquanto a senhora Nara se acha vivendo em rua de bairro chique, essa sensação não deve passar da própria rua.

Todos os problemas de segurança, infraestrutura, saúde, transporte, saneamento básico e outros, vão continuar a atingi-la sob o olhar dos governantes. Pois a verdade é que não é na área nobre que ela mora, ainda que a mesma propaganda torne essa área almejada. Mas também, como não almejar? Tem lama na Aldeota? Tem polícia derrubando a porta de apartamento conceito de madrugada?

E aí é que tá, o narcisismo toma conta. Quem foi que disse que moradores de áreas vulneráveis querem se mudar pro Meireles, pro Cocó, pro Papicu? Talvez eles só queiram a mesma dignidade que esses bairros tem, talvez só queiram ser perguntados sobre o que querem realmente. Obra pública que provê respeito à vida e à integridade jamais será favor, esmola, questão de status ou elegância. É triste que o programa não perceba isso, mas quanto a ele, torço para que se efetive. Quanto à publicidade, torço para que melhore.

Foto do Luana Sampaio

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