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Marisa Maiô: é momento de não compartilhar?
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

Marisa Maiô: é momento de não compartilhar?

Diferente de todos os personagens do documentário e da ficção, que deitam na opacidade e transparência do cinema (porque não dizer, também do audiovisual), uma IA tem por um de seus objetivos não parecer ser o que é
Tipo Opinião
Misturando sátira e nostalgia, Marisa Maiô simula programas de auditório e presta tributo a apresentadoras clássicas da TV com ajuda da IA (Foto: Reprodução/ Instagram; @raonyp)
Foto: Reprodução/ Instagram; @raonyp Misturando sátira e nostalgia, Marisa Maiô simula programas de auditório e presta tributo a apresentadoras clássicas da TV com ajuda da IA

Marisa Maiô ganhou corações e sorrisos. A personagem aparentemente despretensiosa criada por inteligência artificial (IA) usou e abusou do sarcasmo para levar o escárnio a outro patamar. Marisa parecia dizer o que todos queriam, fazer do limão a limonada com as notícias mentirosas, especialistas charlatões, quadros sem sentido, além de gerar gargalhadas a partir de vícios e jargões do jornalismo.

Mas Marisa não existe, não é? Não na forma com que ela aparenta existir. Se existe é pelo fato de ser criada, estar no mundo. Mas inexiste por performar uma materialidade irreal. Ela parece uma pessoa, mas não é.

Diferente de todos os personagens do documentário e da ficção, que deitam na opacidade e transparência do cinema (porque não dizer, também do audiovisual), uma inteligência artificial tem por um de seus objetivos não parecer ser o que é.

De um lado estamos acostumados a ver um personagem sendo performado por uma atriz ou ator. Um universo imaginário ser criado na animação, ou até pessoas famosas encenando a si mesmas em alguns filmes.

Do outro, imagens geradas por computador, que podem facilmente “se passar” por outra pessoa, inventar pessoas, sem que haja qualquer identificação, narrativa ou contexto.

Logo depois do sucesso de Marisa Maiô, ouvi um amigo dizer que viu, mas decidiu não compartilhar o vídeo dela.

Enquanto diversas pessoas se divertiam, ele se incomodava com o nível de realismo daquelas imagens e viu por obrigação não disseminá-la. Há quem diga que um perfil sozinho não faz verão, mas ainda que não faça, me pergunto o que significa, nos dias atuais, não compartilhar uma imagem.

Do meme à foto da taça de vinho na sexta à noite, nos acostumamos a registrar e mostrar. Pedimos aos amigos as fotos que fizemos, tiramos print, gravamos e postamos. Muitas vezes, a mostração cobra seu preço. Quem já mentiu e foi descoberto por uma postagem descuidada, sabe disso.

São muitos e diversos os motivos que nos levam a compartilhar ou não alguma imagem, e em casos de sucessos instantâneos como o de Marisa - que até publi chegou a fazer - a ferramenta é crucial para que isso aconteça.

Ao encontrar um olhar um pouco mais atento e cauteloso, entretanto, o fluxo é interrompido para jogar o questionamento sobre o que vamos fazer a partir de agora.

Se depois de um tempo os posts com objetivos propagandísticos passaram a vir com a hashtag #publi, se detentores de direitos autorais imprimem sua logomarca em uma imagem, se um termo precisa ser assinado para um rosto ou voz ser vinculado, como virá a regulamentação de uma IA que tem potência de se tornar irreconhecível como tal em poucos anos?

Esse parece ser ainda um assunto de interesse de poucos. Enquanto os memes se espalham (e alguns são realmente ótimos), os trabalhadores das imagens e tantos outros se questionam sobre o que virá. Já tem gente pedindo para a Netflix colocar a velocidade 2x no player de seus filmes e séries.

Quanto tempo vai levar para que o usuário assista ao filme que quer, com os personagens que deseja, dizendo o que bem lhe entende, e controlando o fim da história? Talvez autonomia ou mesmo democratização, não sejam bem as melhores palavras para descrever como será o nosso convívio com as inteligências artificiais a partir de agora. Que palavra você daria?

Foto do Luana Sampaio

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