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Como é bom ver o mesmo filme outra vez
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Luana Sampaio é pesquisadora e diretora de criação audiovisual do O POVO. É doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com pós-graduação em Artes Criativas na Deakin University, na Austrália. Escreve sobre memória, testemunho, imagem, cinema e história

Luana Sampaio arte e cultura

Como é bom ver o mesmo filme outra vez

É gostoso ver pela milésima vez um filme que se ama. Eu não saberia dizer se o sentimento vem da mesma previsibilidade que acalenta uma criança. Mas se o fosse, não seria interessante?
A história de 'Senhor dos Anéis' começa com Frodo Bolseiro (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação A história de 'Senhor dos Anéis' começa com Frodo Bolseiro

Certa vez ouvi dizer que crianças gostam de assistir sempre aos mesmos vídeos e programas porque isso lhes dá senso de previsibilidade. Ela sabe o que virá, há pouco espaço para surpresa e o prazer de assistir estaria vinculado à essa segurança proporcionada. Não aconteceria o mesmo com adultos?

Há quem tenha isso em ordem regular: assistir Star Wars todo dia quatro de maio ou reprisar um filme natalino da infância quando chega dezembro. Há quem goste de reassistir alguns títulos como um ritual: “Minha nossa, ainda não assisti Harry Potter esse ano!”.

E existem também aqueles que se deleitam com a repetição em uma dinâmica mais fluida: simplesmente respondem ao desejo repentino de se reencontrar aquele filme e providenciam o momento.

É gostoso ver pela milésima vez um filme que se ama. Eu não saberia dizer se o sentimento vem da mesma previsibilidade que acalenta uma criança. Mas se o fosse, não seria interessante?

Sabemos como nossa vida adulta opera e como ela nunca perde a oportunidade de nos sugar para um caos (ou algo que parece um caos, mas poderia ser só um e-mail). Por isso acho interessantíssimo quando vejo traços daquilo que quase parece um descuido de se “perder tempo” vendo um filme que já se viu.

Matrix Ressurrections chega às salas de cinema nesta semana(Foto: Warner Bros)
Foto: Warner Bros Matrix Ressurrections chega às salas de cinema nesta semana

Ultimamente tenho feito algumas doações de livros, filmes, CD’s e outros materiais que já há tempos mereciam um destino melhor do que as caixas no quartinho da bagunça.

Entre eles estavam Rei Leão, Karatê Kid, Anastásia, Crepúsculo dos Deuses, Vingadores. Quem ficou com eles talvez tenha interesse de vê-los em DVD. Revê-los, melhor dizendo. E o ciclo que faz a arte ser em pele eterna, de alguma forma nos encontra adultos, nostálgicos e carentes de uma previsibilidade que entretém.

É gostoso ver pela milésima vez um filme que se ama. Na última ocasião em que esse “piriri” me abateu, passei duas semanas maratonando Matrix e Senhor dos Anéis. Chorando na sala, emocionada por novamente ver o significado daqueles filmes se atualizando pra essa Luana de quase 33 anos (que assistiu Matrix às escondidas pela primeira vez no SBT há cerca de vinte anos), eu só aproveito a segurança e a inquietação que ele me dá.

Filmes viram arquivos nesses momentos. Podem agregar significados conforme a sociedade e seu público vão se metamorfoseando. E talvez, em alguma medida, reassisti-los não esteja tanto vinculado a um senso de segurança, mas à simples sensação de pertença a quem fomos e nos transformamos.

Esse reencontro também pode perder o sentido, afinal ninguém revê todos os filmes que assistiu na vida. Por outro lado, quando escolhemos os que ficam, mesmo que não saibamos explicar o motivo, acredito que a maioria de nós se conforte em simplesmente dizer: é gostoso ver pela milésima vez um filme que se ama.

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