
Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC
Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC
Na coluna de hoje, leremos relatos de um professor e de uma aluna de uma escola estadual de Fortaleza. Ambas as pessoas são trans e mostram para nós a realidade deste importante segmento LGBTQIA , bem como a importância deste debate na educação formal. Vamos ouvir essas vozes? Elas têm muito a nos ensinar!
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"Olá, me chamo Perséfone Gabrielle, tenho 18 anos, sou maquiadora e atualmente faço curso técnico e estudo para concurso na área da Radiologia. Venho compartilhar com vocês um pouquinho da minha experiência como uma mulher trans no ambiente escolar, na Escola de Ensino Médio Doutor César Cals. A minha "descoberta" e início da transição se deu durante o meu ensino médio, especificamente durante o 3º ano, mas até esse ponto teve muita história envolvida. [...] Infelizmente eu não me aceitava, por mais que eu tivesse contato com outras pessoas LGBTs. Eu não conhecia ninguém como eu naquela escola imensa e cheia de alunos, e a minha família também não aceitava nada fora do que eles "achavam" certo. Eu tinha muito medo das consequências de ser uma mulher trans livre e acabava me reprimindo. [...]
Depois de um longo inverno finalmente eu desabrochei, no começo do meu 3º ano eu decidi assumir a mulher que existia dentro de mim; e tive a ajuda do meu professor maravilhoso João Luiz, que carrega a mesma bandeira que eu e que divide essa luta comigo. Ele foi um divisor de águas nessa minha trajetória. Confesso que foi muito surreal ver todas aquelas pessoas que estudaram comigo durante 2 anos, que me conheciam como Caio, receber tão calorosamente o meu novo eu: Perséfone. Eu lembro de cada abraço e cada palavra de carinho daqueles alunos, nunca tinha me sentido tão acolhida na vida.
O restante daqueles poucos meses antes da pandemia foi muito difícil para mim: fui praticamente expulsa da casa onde eu morava com meu pai para morar com a minha mãe por conta da minha identidade de gênero, problemas de saúde do meu avô, entre outras coisas. E mais uma vez o ambiente escolar foi o meu refúgio, meu alívio, minha fortaleza. Estar com eles era como estar em família. A escola me aceitou como eu sou de braços abertos, e eu não consigo descrever o quanto eu sou grata a eles, a toda a equipe da coordenação, aos professores e também aos meus amados colegas que foram tão importantes na minha jornada."
"Nas rodas de conversa, sempre fui o introvertido, o calado. Muita coisa abundava dentro de mim, não sabia bem o que era, mas, ao longo dos anos, fui compreendendo melhor, até que os desafios do magistério foram aparecendo junto com o desafio de me descobrir e de assumir os riscos de falar sobre tudo isso: sou homem trans. Sou João Luiz, homem trans e professor! [...]
Em 2017, no final da minha graduação em Letras na Universidade Federal do Ceará, entrei como professor de Língua Portuguesa na Escola de Ensino Médio Doutor César Cals e lá permaneço até então. No mesmo ano, no CC, eu iniciei com alguns/mas alunos/as um coletivo artístico chamado POESIE-SE!, no qual fazemos performances lítero-musicais ligadas a questões sobre a vida das juventudes e direitos humanos. Nesse coletivo, muitos/os alunos/as expressam sua pluralidade e eu sei que também foi uma forma de exprimir o meu desabrochar. Lembro de uma reunião nossa no final de 2019, em que a Lindsay Vasconcelos, uma aluna trans do 3° ano de 2019, contou ao grupo sobre sua identidade de gênero. Neste dia, eu também contei a eles sobre a minha. Deste momento em diante, minha missão foi noticiar essa minha verdade para a escola. No início de 2020, resolvi, então, contar à coordenação. Obtive um acolhimento que tirou um grande peso de mim: o medo de não ser aceito. Contei em seguida, para os demais professores da escola. Recebi o mesmo apoio e carinho. Acho que nunca me senti tão amado! [...]
Sinto, às vezes, que sou privilegiado, pois, num país em que pessoas trans e travestis mal alcançam a expectativa de vida de 30 e poucos anos, eu experimento a possibilidade do afeto, do respeito, do reconhecimento no ambiente de trabalho, do acompanhamento digno de profissionais da área da saúde na minha transição e do acesso ao meio acadêmico (atualmente, estou no mestrado em Letras na UFC). [...] Hoje, o chão da sala de aula é minha trincheira e eu sei quem está do meu lado. Minha família, companheira e amigos/as também montam comigo esse fronte de batalha. Viver significa a minha mais bonita rebeldia."
Aberlardo Ferreira
Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Aberlardo Ferreira assina a ilustração da coluna de hoje
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