Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas
Se buscarmos o cerne dessa questão, tudo passa pelo poder político e econômico, que, sabemos, está centralizado no eixo Rio de Janeiro-São Paulo há, no mínimo, dois séculos
Foto: Lucas Emanuel/FCF
Manjadinho, mascote do Campeonato Cearense, no jogo Atlético-CE x Barbalha, no Estádio João Ronaldo
Findando uma palestra em uma escola em Sobral, ano passado, fui com o professor que me convidou a um café celebrar o sucesso do evento. Conversa vai, conversa vem, adentramos no assunto futebol. Ele sabendo de minha identificação com o Fortaleza EC, me fez a seguinte pergunta: "E nacionalmente, qual seu time?". De prontidão, afirmo: "Fortaleza".
Ele, em um riso engessado, assentiu, surgindo um debate profícuo que segue com este texto: até quando nós mesmos, enquanto nordestinos, seguiremos a replicar o discurso de sermos, no máximo, regionais, e não também protagonistas de uma representatividade nacional?
Este debate transcende o futebol e segue para outros segmentos da sociedade. Dos tantos exemplos, um dos mais visíveis está no campo cultural: quem já não ouviu ou falou que o samba é um símbolo nacional? E aqui não entro na insensatez de dizer que não, pois de fato é, mas por que o mesmo não vale pro forró, pra literatura de cordel, pras festas juninas, que, no geral, são apontadas (somente) como expressões nordestinas?
Se buscarmos o cerne dessa questão, tudo passa pelo poder político e econômico, que, sabemos, está centralizado no eixo Rio de Janeiro-São Paulo há, no mínimo, dois séculos, ditando costumes e formas de consumo pautados em seus interesses e o futebol é parte disso.
Com exceção do Rio Grande do Sul e de parte de Minas Gerais, que se impuseram esportivamente a partir das décadas de 1960 e 1970, embora nem de longe tenham alcançado a penetração territorial de cariocas e paulistas, pra não dizer paulistanos (o Santos não deixou!), todos os demais Estados da federação foram impactados com a influência dos clubes ou da cobertura da imprensa de Rio e São Paulo. Não à toa, até hoje, a maioria dos Estados trazem como maiores torcidas clubes externos à sua geografia.
Obviamente não há nenhum pecado torcer para um time a 3 mil km de sua morada, sendo compreensível todo esse panorama pela hegemonia de comunicação imposta ao longo do século XX, principalmente quando da dificuldade histórica das imprensas locais em contrapor tal cenário.
No entanto com a ampliação e democratização dos meios de acesso à informação no último quarto de século, tal panorama cristalizado começa a se dissipar e permitir o encontro de um Brasil mais próximo dele mesmo e nos levar a provocações como esta que trazemos aqui.
Em um exercício de futurologia, não creio numa total descentralidade, pois o capital não permite, mas apostaria numa regionalidade cada vez mais apurada. Isso parece um contrassenso ao que comecei dizendo, mas não. Se tudo mergulhar para uma maior regionalidade, inclusive o futebol, tendemos a ver o todo pela parte (que somos), e só assim poderemos nos dizer, sem qualquer receio, também nacionais.
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