Há 20 anos, o futebol me desiludia e eu deixava se ser criança
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Mailson Furtado é escritor, dentre outras obras, de À Cidade (livro vencedor do Prêmio Jabuti 2018 – categorias Poesia e livro do Ano). Em Varjota-CE, fundou a CIA teatral Criando Arte, em 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, e é produtor cultural da Casa de Arte CriAr. Mailson escreve, quinzenalmente, crônicas sobre futebol e outros temas
Há 20 anos, o futebol me desiludia e eu deixava se ser criança
A "Máfia do Apito", que resultou no anulamento de 11 partidas do Brasileirão de 2005. Ao atacar a lisura do futebol, o esquema também afetou a inocência do cronista
Foto: Acervo pessoal / Mailson Furtado
Álbum do Brasileirão 2004, feito à mão por Mailson Furtado, no fim da infância
No último domingo, estive em uma daquelas celebrações familiares a reunir grande parte da família dispersa pelo mundo, que apenas de tempos em tempos consegue se encontrar. Entre risos, memórias, notícias de como segue a vida — motivos incontornáveis de conversas nesses encontros —, uma hora ou outra o futebol entraria como assunto. E entrou.
Entre o jogo da última semana, a boa e má fase de um clube aqui e ali, tio Antonio quebra o assunto dizendo: “Depois desse negócio de apostas, perdi a fé que eu tinha em futebol. Não sei o que é mais verdade, nem mentira”.
A conversa seguiu o rumo do debate ético das apostas, e eu fiquei ali pensando que há 20 anos, eu sofria, pelo menos motivo, uma maiores desilusões da minha vida, quando a coisa que mais me apaixonava até então — o futebol —, era motivo escancarado de corrupção, no famoso episódio da "Máfia do Apito", que anulou 11 partidas do Brasileirão Série A 2005, por manipulação de resultados dos árbitros Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon.
Ali, eu com 14 anos, trazendo desde os 7 o futebol e toda sua poética como grande mote para muitas das minhas ludicidades de menino, desiludi-me. Foi tudo tão desalentador que sinto que aquele foi o marco para a minha inocência pueril desbotar-se pela primeira vez — o ver o mundo mais preto no branco, coisa que a vida de adulto nos impõe, para mim, começou ali.
Naqueles primeiros anos dos 2000, ainda longe da internet se massificar, e morando em Varjota, distante de qualquer banca de revista para ter álbuns e revistas dos campeonatos que ano a ano aconteciam, eu mesmo compunha de forma artesanal, em cadernos de pauta, as tabelas, as curiosidades, desenhos dos escudos, dos mascotes, sendo esta a minha primeira experiência enquanto pesquisador — exercício fundamental para o trabalho que exerço hoje com a escrita e com o teatro —, e desenhista, atividade de deixei de lado desde então, mas fundamental para meu alicerce estético com as artes.
Revirando os cadernos antigos que ainda guardo, o de 2005, que foi o último, parou pelo caminho e foi para o lixo — até hoje faço um exercício para esquecer aquele campeonato —, o difícil é vez por outra saber que algo parecido com aquilo dia sim, dia não, está acontecendo e que tudo pode ser apenas ilusão. Apesar de tantas feridas, a fé no futebol, embora menor que antes por conta daqueles que o fazem, conseguiu se manter de pé em mim. Mas foi duro, entender, a partir da coisa que mais me apaixonava quando menino, que o mundo tinha um lado bem sujo, e que o futebol não distante da realidade podia ser refém daquilo, como foi, como está sendo.
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