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A raiz da crise
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Professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC)

A raiz da crise

Ao lado das imensas possibilidades tecnológicas criadas, a fome se alastra pelo mundo, reduzindo milhões de pessoas a situações de miséria e de ameaça permanente à sobrevivência
Quase três em cada dez brasileiros vive na pobreza e 33 milhões passam fome (Foto: Samuel Setubal/ Especial para Jornal O Povo)
Foto: Samuel Setubal/ Especial para Jornal O Povo Quase três em cada dez brasileiros vive na pobreza e 33 milhões passam fome

Nossa situação oferece razões para a consciência da crise que, nas últimas décadas, perpassa o mundo: o progresso tecnológico, vinculado ao capitalismo, aprofundou o fosso entre ricos e pobres. Ao lado das imensas possibilidades tecnológicas criadas, a fome se alastra pelo mundo, reduzindo milhões de pessoas a situações de miséria e de ameaça permanente à sobrevivência. O avanço da tecnologia gestou a atual revolução tecnológica, que tem deixado milhões de desempregados no mundo inteiro.

Estamos em pleno aprofundamento de um processo de globalização do sistema produtivo e do sistema financeiro a nível mundial, o que está conduzindo a um processo de reconcentração de capital no hemisfério norte e à formação de megablocos econômicos, que dividem entre si o que há de significativo na economia mundial, conduzindo à marginalização milhões de pessoas nos países ditos em desenvolvimento. Isso significa: desemprego, fome, doença, falta de moradia, ausência de educação, de lazer, de cultura, o que conduz a situações de violência permanente e à exclusão da participação nas decisões políticas.

É a partir desse quadro dramático que, em nosso país, se tem falado de "apartação social". O Brasil, a oitava economia mundial, é visto no mundo como um país de degradação radical da vida humana, o que se revela na prostituição infantil, na enorme quantidade de pessoas abandonadas nas ruas, nos massacres de crianças, na situação humilhante dos presídios, na condição precária de milhares de favelados e indígenas, na gigantesca concentração de renda, na sistemática destruição do meio-ambiente_ numa palavra, na exclusão de milhões dos benefícios do atual estádio de civilização.

Nossa sociedade apartada, contudo, vive um processo de reestruturação de si mesma a partir da emergência, no cenário público, das vítimas dessa situação: são os/as trabalhadores/as, as mulheres, as minorias, os diferentes grupos de excluídos, que emergem na cena pública, abrindo espaço para a reivindicação de seus direitos.

Como interpretar essa situação? Qual sua raiz mais profunda? Há uma tendência, no pensamento contemporâneo, a ver essa situação dramática como o resultado de aporias que provêm do próprio tipo de civilização que construímos na modernidade.

Para H. Jonas, por exemplo, a situação de crise que marca a civilização técnico-científica se radica na própria "utopia do progresso", que é o motor desse processo civilizatório: o homem se faz o senhor do mundo, exercendo seu poderio mediante a ciência e a técnica. Para ele, o projeto civilizatório da modernidade vinculou os velhos sonhos emancipatórios da humanidade ao ideal tecnocrático, que é, na realidade, o pano de fundo da crise ecológica, que hoje vem à tona.

Isso implica que a solução dos grandes conflitos sociais que marcam a humanidade contemporânea é inseparável do enfrentamento da crise ecológica que exprime a relação conflituosa do ser humano com a natureza como um todo. Os movimentos ecológicos trouxeram a humanidade à consciência de que a "natureza" enquanto pressuposto básico das forças humanas de produtividade não é infinitamente explorável; ela é, antes, fundamentalmente limitada e sua destruição afeta, em profundidade, as condições de vida do planeta.

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