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O grito de Oslo
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CEO do Instituto Monitor da Democracia e membro do Conselho Superior da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, Espanha

O grito de Oslo

.O Nobel a María Corina Machado é mais que uma homenagem: é um chamado à consciência democrática. Um lembrete de que silenciar diante da tirania é sempre pactuar com ela
Tipo Opinião
LÍDER da oposição venezuelana Maria Corina Machado  (Foto: Federico PARRA / AFP)
Foto: Federico PARRA / AFP LÍDER da oposição venezuelana Maria Corina Machado

A decisão do Comitê Nobel de Oslo de conceder o Prêmio da Paz de 2025 a María Corina Machado ultrapassa o reconhecimento pessoal: é um ato político global em defesa da democracia. Num mundo em que o autoritarismo avança - o Relatório de Democracia 2025 do V-Dem registra mais autocracias (91) do que democracias (88) -, a escolha de Machado simboliza a resistência pacífica contra a tirania.

Fundadora da Súmate e líder do Vente Venezuela, Machado desafia há mais de vinte anos o regime de Nicolás Maduroem nome de eleições livres e direitos humanos. Impedida de concorrer em 2024, apoiou Edmundo González Urrutia e coordenou uma rede de observadores que documentou a vitória opositora antes de o governo destruir urnas e adulterar resultados. O Comitê Nobel elogiou seus métodos "inovadores e pacíficos". Mesmo sob ameaça de prisão, Machado recusou o exílio, tornando-se símbolo moral de resistência. Como disse o presidente do Comitê, Jørgen Watne Frydnes, "foi a urna contra as balas".

O prêmio expõe a tragédia venezuelana: um país arruinado por um regime que trocou prosperidade por opressão. Desde 2014, quase 8 milhões de venezuelanos deixaram o país, em uma das maiores crises migratórias do século. O ACNUR estima 7,8 milhões de refugiados e migrantes. Dentro das fronteiras, 3,3 milhões de pessoas, entre elas 1,8 milhão de crianças, dependem de ajuda humanitária, segundo a UNICEF. Enquanto a elite chavista se enriquece, a população enfrenta fome, colapso e medo. A Freedom House define a Venezuela como emblema do declínio global da liberdade.

A lição de Machado é inequívoca: a democracia não é ornamento institucional, é condição de paz duradoura. Como lembrou Nina Græger, diretora do Peace Research Institute Oslo, em 2024 o planeta registrou número recorde de eleições - mas pouquíssimas foram autênticas. O voto, cada vez mais, é sequestrado pela coerção, pela manipulação e pela mentira. Ao proclamar "votos em vez de balas", Machado recorda ao mundo que a resistência civil, quando sustentada pela coragem moral, pode ainda inverter o curso da história.

No Brasil, a honraria deveria provocar incômodo. Enquanto Oslo denuncia o caráter autoritário do regime de Maduro, Brasília mantém uma complacência travestida de pragmatismo, legitimando um governo deslegitimado. Lula, que já criticou Caracas, hesita em romper com um aliado ideológico sustentado pela repressão. Isso não é neutralidade - é conivência.

O Nobel a María Corina Machado é mais que uma homenagem: é um chamado à consciência democrática. Um lembrete de que silenciar diante da tirania é sempre pactuar com ela. Como advertiu Frydnes, num mundo com menos urnas e mais correntes, é a própria paz que se dissolve.

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