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Grãos de paisagens
Foto de Marília Lovatel
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

Grãos de paisagens

No início, houve uma mulher que, para se distrair da saudade do filho, trabalhando embarcado em um navio do Lloyd Brasileiro, descobre, por acaso, como desenhar com as cores das falésias.
Garrafinhas de areia colorida da praia de Majorlândia  (Foto: Remember me)
Foto: Remember me Garrafinhas de areia colorida da praia de Majorlândia

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Quantas histórias cabem dentro de uma garrafinha? O artesanato das imagens granuladas me encanta desde a infância, mas Arenogravura, Silicografia ou Cericografia são termos frios – não traduzem o fascínio de quem as observa de perto.

Falta-nos a palavra para expressar o afeto que paralisa o tempo, impressiona na perfeição das dunas, dos coqueiros, das casas de pescadores, das jangadas, do céu e do mar em pequenas paisagens transpostas. Eu estava justamente à beira-mar, na paisagem aberta, durante as férias, quando me veio o desejo de escrever sobre o tema, e o primeiro passo foi me inteirar mais sobre o assunto.

Para a minha surpresa, tudo tinha começado ali, naquela mesma praia, onde eu caminhava descalça, com os cabelos contidos por uma tiara de vento. Essa revelação veio na leitura da Dissertação de autoria da pesquisadora Tatiana Ferreira, referente ao seu Mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No estudo sobre a arte das garrafas de areia colorida e experiências de mapeamento social em Majorlândia – CE, encontrei a origem da atividade, tão conhecida e apreciada pelos turistas que passeiam pelo Nordeste e que hoje é responsável pelo sustento de muitas famílias.

No início, houve uma mulher que, para se distrair da saudade do filho, trabalhando embarcado em um navio do Lloyd Brasileiro, descobre, por acaso, como desenhar com as cores das falésias. A garrafa em que ela recolhia diferentes tons escapou de suas mãos – como nos escapa um filho que cresce e segue o seu caminho – e, ao tombar, modificou o seu conteúdo, acomodado nas novas formas que motivaram os primeiros desenhos de Joana.

O pioneirismo dela, de Antônio e de Francisco foi a matéria que recolhi para contar uma história, criando com esses grãos a escrita dos meus versos. E tudo se misturou como se misturam as areias. Realidade e ficção, texto científico e texto literário, prosa e poesia. Impossível separá-los, tanto quanto contê-los, depois que se parte o vidro.

Esta crônica é, antes de mais nada, um agradecimento àquela que fez do sentimento arte e ofício, dona Joana Carneiro, in memoriam, liderança do povo, mãe, artista, cuja trajetória transformo em literatura no livro Grãos de paisagens, lançado neste final de semana pelo selo Anzol, do grupo editorial SM. Cada existência de mulher é um grão nas paisagens do mundo. Que as suas aventuras humanas sejam conhecidas, contadas, reinventadas para que sirvam de inspiração tantas vezes até se confundirem com as areias das nossas praias.

Foto do Marília Lovatel

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