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Quando Van Gogh piscou
Foto de Marília Lovatel
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

Quando Van Gogh piscou

Minha mãe é uma tela. A pintura para quem Vincent piscou
Tipo Notícia
Exposição Van Gogh Live 8k está em cartaz em Fortaleza até junho de 2023 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Exposição Van Gogh Live 8k está em cartaz em Fortaleza até junho de 2023

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Braço dado com o neto, mamãe viveu uma experiência imersiva. Acompanhada também pela neta e esta pelo namorado, uma nonagenária foi levada pelos três jovens, passo a passo, para dentro dos amarelos campos de girassóis, das pinceladas azuis e das palavras nas cartas trocadas entre dois irmãos holandeses.

Em uma delas, Van Gogh a Theo, em 24 de junho de 1880, escreve: “Mas qual dirias que é o seu objetivo final? Esse objetivo se tornará mais claro, irá tomando forma de maneira lenta e segura, assim como o croquis se torna um esboço e um esboço se torna uma pintura.”

É o que minha mãe lê, enquanto fala sobre a felicidade por ter chegado ali, e ali não é um lugar, ela comemora estar viva e poder participar de algo para ela antes inimaginável. Vai sem pressa porque admira, contempla, entregue à fruição. Ouve, vê, comenta e sorri com calma. Há muito dispensou a correria. Concentra-se em cada parada, segue pelos corredores até o grande salão onde tudo é luz, som e movimento.

Completa o circuito, ainda que andando devagar, ainda que apoiada no braço do meu filho, ainda que os cabelos estejam completamente brancos. E, ciente dessas conhecidas marcas da passagem do tempo, acredita que desbotou. Perdi as minhas cores, ela diz resignada. Muito pelo contrário, ganhou os tons de obra pronta, diante da qual o artista descansa o pincel, plenamente satisfeito. Não é mais um croquis, não é mais um esboço.

Depois de nove décadas, seu objetivo final está claro, ela o sabe bem. Foi tomando forma de maneira lenta e segura. Tornou-se palpável na juventude pela qual se deixa conduzir, fotografar, filmar, no registro do seu encanto – com as reações da avó a nova geração se deslumbra. Minha mãe é uma tela. A pintura para quem Vincent piscou.

Foto do Marília Lovatel

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