Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Foto: Marília Lovatel
Flores artificiais nos priva do ato contemplativo da natureza transitória do existir
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As flores de plástico não morrem nem exalam o perfume que as rosas roubam dos amores, cantam as composições. Talvez por isso eu resista à ideia de ter em casa arranjos artificiais. Ainda que a evolução de tal item decorativo disponibilize nas vitrines um realismo capaz de confundir o olhar mais experiente, e buquês artificiais embelezem o ambiente interno por um tempo muito maior, essa praticidade, a duração comprada, garantida, nos priva do ato contemplativo da natureza transitória do existir.
Gosto de encher jarras com água fresca, de aparar os caules, plantá-los no líquido, e observar dia a dia o amadurecimento das pétalas. Algumas delas, no último estágio, ganham morada dentro dos meus livros, secam entre as páginas, guardam num suporte mínimo, fragilíssimo, nos filamentos expostos, a lembrança do que já foram. Ligam-se ao seu espírito vegetal, que, às vezes, carimbam no papel, a ele transferem na marca uma parte de si. Coisa natural transformar, transferir.
A relação com as flores é, no meu caso, herança de infância. Meu pai plantava nos canteiros mais do que as sementes, deixava na terra um pouco da sua alma para recebê-la de volta na abertura dos botões, na surpresa programada das dálias híbridas. Aprendeu na lida de agrônomo informal, jardineiro autodidata, técnicas de enxerto e as utilizou para gerar novas espécies, inusitadas combinações de tons. Com habilidade uniu tecidos florais em seu laboratório ao ar livre.
No encontro das amarelas e das alaranjadas, fez nascer pores do sol perto do chão. Das roxas e das rosadas inaugurou lilases. Do casamento das vermelhas com as brancas vieram pequenos milagres, fileiras em alternância de cores nas corolas, como se pintadas à mão. Além de naquele solo, elas brotam na minha memória. E, ao contrário do que diz o verso da canção, essas belezas verdadeiras também não morrem. Estão plantadas em mim, permanecerão em quem me lê, e recordar, no futuro, a minha preferência.
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