Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Somos muito diferentes, mas nem tanto. Ao telefone, a voz é a mesma – dizem. Sua matéria-prima é a argila, a minha, a palavra. E as nossas histórias estão interligadas, assim como muitas das experiências que a fizeram ceramista e a mim escritora. Por isso, respirei fundo ao percorrer no último domingo a velha estrada que desvia do asfalto e conduz à casa do sítio na serra onde passamos inúmeros finais de semana, as férias da infância e da adolescência.
Em muitos trechos, a vegetação se ergue da terra e se fecha sobre as nossas cabeças, atravesso o tempo no túnel verde que une presente e passado. Nesse mesmo instante, tenho a impressão de que ela acompanha meus pensamentos. Há quem ateste essa sintonia fraterna. Não é improvável, ainda mais considerando que ela mora em Petrópolis, na região serrana fluminense. Possível até que na concentração do ateliê tenha moldado uma lembrança de Guaramiranga, acordada pelo verdor em suas janelas.
Moramos longe e com frequência nos comunicamos por mensagens de WhatsApp, trocamos fotos, músicas, vídeos. Explicamos aos filhos pequenas cicatrizes, os machucados de uma por causa da outra, resgatamos risadas, raivas superadas e cumplicidades permanentes. Outras de jeito nenhum. Quando ela retirou as amígdalas eu quis tomar o sorvete, invejei a operação. Inegociável também a posse das bonecas, a Puppy dela, a Gui-gui, minha. Depois, os cantores, Caetano, meu, Lulu Santos, dela. Amigos compartilhados. Objetos trocados. Roupas emprestadas à revelia. O número maior dos seus tênis, as mochilas de cores distintas. A preferência por suflê de chuchu – que eu nunca entendi. O seu nariz entupido, a minha gastrite.
Se não estivemos sempre juntas, dividindo as alegrias, eu com as raízes fincadas, ela batendo asas, na maior dor, na partida de papai, em seu último sopro de vida, nos demos as mãos através dele. Uma de cada lado. Ela lhe segurou a direita e eu a esquerda. As duas no quarto do hospital com o sibilo do condicionador de ar e a mesma pergunta incrédula nos olhos afogados: acabou? Hoje, registro a visita ao lugar das brincadeiras, crescimento e memórias, uso a escrita desta crônica para que ela confirme na leitura a conexão entre duas irmãs, um elo resistente aos anos e às distâncias. Conto nos dedos os segundos até ela me ligar e eu ouvir na sua fala a minha voz.
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