Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Foto: By Raph_PH, Wikipedia
Banda inglesaTears for Fears durante show em 2017
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O ano, 1985. Uma canção em inglês alcançava o topo da Billboard e das paradas mundo afora, dando as boas-vindas à nossa vida e vaticinando: não há volta. O sucesso da banda inglesa Tears for Fears, faixa do álbum Songs from the Big Chair, não desapareceu no tempo. É daqueles hits livres do next, do pulo para a próxima música. Ao ouvi-lo, por acaso, o volume logo sobe.
A composição nos acompanha por quase quatro décadas. Nesse intervalo, a adolescente que eu fui, cantando ao lado de minha irmã, ambas no banco de trás, passou no vestibular e ao assento da frente, assumiu o volante do carro, se formou, se casou, teve filhos, publicou livros, fez mestrado, se despediu do pai, recebeu a mãe viúva no acolhimento de casulo para que morássemos todos juntos, viu os filhos crescerem, ingressarem na Universidade, se habilitarem a dirigir.
Eles ensaiam a condução dos próprios destinos, enquanto estaciono na vaga do subsolo do shopping em companhia de mamãe. Aos 90 anos, sentada no banco do passageiro, ela ouve “Everybody wants to rule the world” e me faz uma confissão sobre a última vez que a escutou no rádio do carro de meu pai – o que dirijo agora – e lhe pediu para não tirar a chave da ignição, não ainda. “Vamos ouvir, bem”, ela disse. “Lembra tanto a adolescência das meninas.” Ali ficaram, na duração dos acordes, os dois imersos na memória. A mesma ponte musical une passado e presente, interliga recordações. Ouço e me atento ao significado dos versos.
Em um trecho eles dizem “dando as mãos enquanto as paredes desmoronam / quando isto acontecer, estarei bem atrás de você”. Não se foge disso. Sempre chega uma hora em que as paredes desmoronam. Nesse momento, é importante saber com quem contar, reconhecer as pessoas prontas a nos livrar dos escombros, a nos ajudar a reconstruir as ruínas.
Aí vem a certeza: não se tem o controle sobre nada em nossas existências, ainda que todo mundo queira governar o mundo. Seguimos sim ao sabor do plano feito para nós – não por nós –, no caminho sem volta. No final, quem sabe, estaremos no conforto de uma cadeira para dela cantarolar reminiscências.
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