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I held a jewel in my fingers
Foto de Marília Lovatel
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Marília Lovatel é escritora, cursou letras na Uece e é mestre em literatura pela UFC. É professora de pós-graduação em escrita literária e redatora publicitária. Tem livros publicados por diversas editoras, entre elas, Scipione, Moderna, EDR, Armazém da Cultura e Aliás. Vários dos seus 12 títulos são adotados em escolas de todo o país, tendo integrado 2 vezes o Catálogo de Bolonha, 2 vezes o PNLD Literário e sido finalista do Prêmio Jabuti 2017.

I held a jewel in my fingers

O que é esta crônica senão um objeto, anel a ser perdido daqui a pouco, a me escapar das mãos, um dia ressurgindo?
Antônio Torres, escritor, em pé, em encontro na Academia Cearense de Letras (Foto: João Filho Tavares/O POVO)
Foto: João Filho Tavares/O POVO Antônio Torres, escritor, em pé, em encontro na Academia Cearense de Letras

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Antônio Torres trouxe a sua ilustre e amiga presença ao Ceará. Ele participou do evento para o qual fora convidado, veio banhar a alma nos verdes mares bravios de minha terra natal, verdes mares, que brilham como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, o poema em prosa de Alencar, relembrado, na ocasião, como experiência de quando aprendia a ler e a amar a literatura nas páginas de “Iracema”, ainda um menino. E, após o compromisso de imortal da ABL, o nosso happy hour virou jantar, em companhia de Juarez Leitão, Geraldo Amancio e da querida Fernanda Quinderé.

Ela me apresentou Antônio, há alguns anos. Muita conversa à mesa, uma pasta siciliana e uma torta de banana depois, fomos, as duas, deixá-lo em seu hotel. Na manhã seguinte, o checkout, para embarcar no voo de volta ao Rio de Janeiro e subir a serra de Petrópolis, conheço bem o caminho, a altitude alterando o clima e a paisagem, até à chegada ao recanto onde ele reside, pertinho de minha irmã. Essas coincidências nos aproximaram.

Temos trocados livros e impressões, uma amizade a distância alimentada pelas afinidades literárias. Na vez de levar Fernanda à casa dela, o contratempo, um anel lhe escapa dos dedos, em virtude dos movimentos enfáticos com que ela ilustra o assunto por nós compartilhado. O adereço saltou no escuro, ela se abaixou para procurar o objeto no tapete do veículo, em vão. Aproveitei a parada na farmácia para a sua compra urgente e também procurei embaixo do banco em que ela se sentou. Nada. Passado o final de semana, no telefonema, ela me diz entre risos: “desista de buscar o anel perdido”. Não está no meu carro. Disso ela tem certeza porque já o localizou dentro de uma bolsa. A bolsa, vale ressaltar, não foi a usada quando jantamos com Antônio. “Estão brincando comigo”, afirmou bem-humorada.

Lembrei-me das vezes em que o chão se abre, engole algo e, ao desistirmos da procura, devolve nos lugares improváveis. Quem nunca? Ocorreu-me também a lembrança de um poema – o meu preferido –, de Emily Dickinson, sobre perder durante o sono um anel de pedra preciosa. Ao acordar, o que se possui da joia é somente uma lembrança de ametista. Mesmo as coisas mais concretas podem nos escapar das mãos para retornar em outro momento.

Aprendi a expressão latina “sub especie aeternitatis”, “sob o aspecto da eternidade”, com Luiz Antonio de Assis Brasil, dita sobre o pai de Mozart, tema de sua recente produção: “Leopold, uma novela”, o título em destaque na capa. Na discussão, em sala de aula virtual, as cartas não servindo apenas àquele presente da personagem central, mas com o propósito de serem achadas e lidas no futuro. Daí a razão intrínseca ao que escrevemos. O que é esta crônica senão um objeto, anel a ser perdido daqui a pouco, a me escapar das mãos, um dia ressurgindo? Um restar na memória de alguém como lembrança de pedra menos rara, porém portadora de alguma beleza que mereça se guardar?



 

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