Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Qual é o procedimento correto? Caçá-las sem trégua, deixá-las viver, me esquivar, sem ofendê-las, ou aceitar o seu vampirismo, rezando para escapar de um ataque contaminado?
De todos os seres criados por Deus, as muriçocas são as mais impertinentes. Você as espanta e elas voltam direto ao ponto do pouso de onde foram expulsas. Você tenta ignorá-las e elas tocam o terror, o violino desafinado a noite inteira no seu ouvido.
Diferentemente dos temidos insetos venenosos, como as aranhas e os escorpiões, ou dos abominados pelo simples fato de existirem, alvo de fobias com ou sem explicação – como as baratas –, as muriçocas parecem uns bichos amenos, insignificantes, só perdendo em inexpressividade para as traças encasuladas, não representam ameaça maior, imediata.
Contudo, é impossível apagar a luz e dormir em paz, se no quarto ocorre a presença delas. Acrescente-se ao incômodo o risco de haver, infiltrados entre as sugadoras de sangue, transmissores da dengue, disseminadores dessa doença grave, que mata. Assim, mesmo aqueles incapazes de atentar contra uma formiga não pensam duas vezes em bater palmas para encurtar a vida de uma muriçoca. Além dessa maneira mais tradicional, são muitas as formas de extermínio. Das mecânicas às tecnológicas. Das tóxicas às estratégicas, como o costume, bastante conhecido nas cidadezinhas do interior, de fechar portas e janelas na hora da muriçoca.
Sim, elas são previsíveis, costumam entrar nos ambientes habitados, das 17h às 18h. Funciona. Entretanto, basta um vacilo, um basculante aberto no banheiro, uma brecha mínima, e elas se instalam sem a menor cerimônia. Muito antes das cruéis raquetes elétricas, dos aparelhos sônicos e dos incensos repelentes, aprendi a tática infalível, coisa de minha infância em Guaramiranga, de capturá-las com um copo untado de óleo de cozinha.
Ensinei a solução a um amigo que vem sofrendo com as intrusas em sua nova residência. E, de repente, me veio a ideia de escrever esta crônica com a finalidade de compartilhar uma dúvida, uma questão de natureza ética. Qual é o procedimento correto? Caçá-las sem trégua, deixá-las viver, me esquivar, sem ofendê-las, ou aceitar o seu vampirismo, rezando para escapar de um ataque contaminado? Seja qual for a resposta, na última hora do dia, defendo os meus domínios, uso todas as armas à mão, sou um 007, com licença para matar.
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