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O sopro da saudade
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Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.

O sopro da saudade

Tudo está parado até que, de repente, algo nos abraça o corpo e movimenta os cabelos
O vento quando bate (Foto: Pexels/Kelly)
Foto: Pexels/Kelly O vento quando bate

Tenho escrito sobre saudade. Não uma de natureza específica. Doem-me ausências múltiplas, que, às vezes, nem consigo reconhecer e nominar. Talvez um estado saudoso seja algo que surge, se apossa da nossa alma por um momento e depois se dissipa — como uma brisa inesperada, vem e vai embora.

Tudo está parado até que, de repente, algo nos abraça o corpo e movimenta os cabelos. Aí nos damos conta de que venta. Sinto e a vibração me acorda as palavras, a página aceita o pensamento que se agita na tentativa de decifrar tais emoções.

Contudo, esse aguçar da sensibilidade não requer motivo concreto ou depende de uma circunstância racional. Quando a falta se instala, não importa se o gatilho foi um cheiro da infância, um sabor experimentado em uma viagem, uma música da adolescência, a risada de meu pai, aquela que nunca mais ouvi.

Não faz diferença se entrei na rua onde moramos ou o braço raspou no reboco caroçudo igualzinho ao chapisco da parede do quarto da casa que já não me pertence. Ou se o carro repetiu a estradinha de chão de terra batida com um bambuzal subindo das suas duas margens para se unir no teto de folhas verdes.

Ou se o fundo da gaveta mostrou o par de óculos sem dono. Ou a cadeira de balanço vazia roubou a atenção. Ou a cena do filme em preto e branco. A foto desbotada no porta-retrato. Um vidro de perfume evaporado. Uma aquarela que desbotou a nitidez para ganhar os retoques do tempo. É o relâmpago sem o barulho do seu eco. O travesseiro sem sono. O coração sem abrigo à espera da primeira distração que nos ocupe enquanto a saudade sopra.

Foto do Marília Lovatel

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