Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
Foto: Pexels/Tima Miroshnichenko
Imagem de apoio ilustrativo. ParaTodosVerem: em uma mão, há um raio-x de um pé. Na outra, a pessoa segura uma caneta
O pé direito, do nada, começou a doer. Não o torci nem pisei de mau jeito, apenas reparei que mancava. A única pista: um remoto pisão. Um salto agulha achou que era grama a lateral da minha sandália de festa e nela afundou. Dor lancinante. Foi há vários anos em um evento, à noite, o jardim da casa repleto de convidados com seus pés, suas solas e seus saltos. Contudo, estranhei que um incômodo tão distante voltasse a se manifestar.
Pode uma dor se esconder assim e surgir, de repente, quando a pessoa dela se esqueceu? É o que tenho me perguntado. “A resposta tem que vir de um médico, mãe!”, o conselho de minha filha é uma repreensão. E ela, sem acreditar na minha mobilização para resolver o problema, apela ao irmão, que se forma ano que vem em Medicina. Ele faz um exame, pergunta “dói se apertar aqui?”, meu grito ecoa, e recebo o pré-diagnóstico.
Até consultar um ortopedista, nada de usar calçados altos. Marcela ri, diz que, nesse caso, terei que andar descalça ou de chinelos. E aponta para os pares enfileirados no meu closet. Fez-se o impasse. Minha anatomia — incompleta sem os centímetros extras — exige a elevação. Não é mera vaidade.
Um encurtamento de tendões, com o qual nasci, torna muito mais confortável o salto que qualquer rasteirinha. Apresento, convicta, a explicação e finjo não perceber os semblantes incrédulos de Marcela e de Matheus. “É verdade”, insisto, “sua avó sabe que fui uma criança com andar de bailarina".
E encerrou o caso a ordem embalada na chantagem emocional, de que há o tempo de filhos obedecerem aos pais e chegara a hora de eu obedecer aos filhos, trocando o sapato. Troquei. E fui denunciada, pois saí do quarto com um modelo idêntico, mas a cor era diferente.
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