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Escrever como um perfumista
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Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.

Escrever como um perfumista

Na leitura, as impressões de saída — ou de cabeça — são imediatas, as que sentimos no primeiro contato com o texto, já no borrifar da narrativa ou do poema
Escrever como um perfumista (Foto: Divulgação/Daniel Paiva)
Foto: Divulgação/Daniel Paiva Escrever como um perfumista

Eu queria ter para as palavras o nariz de um perfumista. Pena me faltar esse dom. Escolho a matéria-prima da minha escrita do mesmo modo que adoto fragrâncias: porque me agradam e isso basta. Talvez gostemos de certos aromas por razões afetivas, mais do que olfativas. Um cheiro de infância é uma lembrança eterna guardada nos receptores, nas células nervosas das cavidades nasais.

Meu encantamento com três poções — assim defino os perfumes que nos enfeitiçam e nos convencem a pagar o que pagamos para tê-los — dura várias décadas.

A primeira é a combinação vibrante das notas de cabeça, com frescor de abacaxi e mandarina, e das notas de coração, à base de peônia e cerejeira, que uso de manhã.

À tarde, recorro à pirâmide que traz no topo pêssego e limão siciliano; no corpo, madressilva e manacá; e, no fundo, âmbar, cedro, sândalo. Reservo à noite a joia que abre com pinceladas de bergamota e pimenta rosa, seguidas por jasmim, finalizadas em baunilha e almíscar.

Na leitura, as impressões de saída — ou de cabeça — são imediatas, as que sentimos no primeiro contato com o texto, já no borrifar da narrativa ou do poema. As do coração absorvemos após minutos decorridos da aplicação, quando aspiramos o conteúdo das entrelinhas. E as de fundo são as últimas a evaporar.

Em minha produção, essencialmente, estão presentes os florais, os frutados em maior concentração e os amadeirados em menor ocorrência. Reconheço essas características a partir do que me contam os meus leitores.

A leveza como nota de entrada e a densidade constituindo o corpo do que se lê. Porém o mistério mais insondável reside nos motivos da fixação do perfume de uma história na pele da memória.

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