Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.
O percentual de nossas vidas embutido na literatura que produzimos é uma questão recorrente para quem escreve. A dúvida também habita o imaginário de quem lê. É certo que nenhuma criação vem do nada — exceto a de Deus, na gênese do primeiro dia, quando do vazio se fez a luz sob a ordem divina.
Foto: Ilustração/Capa/Igor de Castro Xavier
Tela Canestra di Frutta, de Caravaggio
Assim, aprendi com Luiz Antonio de Assis Brasil que o texto literário é uma passagem de bastão em uma corrida de revezamento a atravessar os séculos.
Nossos enredos resultam das experiências individuais amalgamadas às coletivas. Recebemos de quem nos antecedeu e levamos adiante o que julgamos nosso. Do mesmo modo, o real se funde e se confunde com a ficção. Mesmo porque, ao verbalizar algo vivido, experimentado, o que dizemos já nasce com um revestimento de invenção, vestido de fantasia. Ou seja, perde a inteireza de realidade no momento em que é compartilhado.
Leitura é o encontro entre o autor das linhas e quem as decifra e as amplia. Escrevemos para nos multiplicar. Lemos para fazer valer o nosso direito de participar, não nos conformando com a passividade de quietos expectadores.
Clarice Lispector reagiu à alegação de que a sua linguagem era hermética. Isso a incomodou porque, sem lacunas a serem preenchidas, sem o universo guardado nas entrelinhas, correspondente ao que não se diz, mas que está lá para ser acessado a partir do escrito, não acontece a comunhão, o abraço. E como Clarice nos recebe e nos abraça!
O pouco de nós com o muito dos outros dá o tom da caminhada, cujo começo ocorre na primeira página, e o fim para além da última. Venho comprovando esses pensamentos a cada publicação. Nada mais gratificante que despertar no leitor empatia, contar com a sua identificação e companhia durante a jornada.
Por essa perspectiva, a atuação dos leitores se configura como uma espécie de coautoria. Os retornos que venho colecionando apontam fortemente nessa direção.
Foto: Ilustração de Carlus Campos com Tela Canestra di Frutta, de Caravaggio e capa de Igor de Castro Xavier
ParaTodosVerem: uma ilustração mostra uma mulher sentada de forma relaxada, com roupas coloridas e cabelos longos, diante de duas silhuetas sobrepostas por letras e texturas. Ao centro, há um livro flutuando com a capa visível, trazendo destaque ao elemento literário da cena
E agora, que acabo de disponibilizar o e-book de O despojo do caramujo, breve romance de despedida na plataforma Kindle, da Amazon, terei uma nova oportunidade para conferir a receptividade à convocação que o texto faz tanto para o que as palavras carregam quanto para os silêncios, as paradas e as retomadas.
Trata-se de uma história sobre deixar para trás o que se leva a vida toda para ter, conquistar, reunir. Sobre escolhas e construção de identidade. Sobre afeto, perdão e envelhecer de forma digna. Sobre os instantes em que somos mais frágeis: a chegada ao mundo e a hora da partida.
O breve romance é uma narrativa sobre quatro pessoas e quatro destinos cruzados por perdas: um homem que perde os cabelos, uma mãe que perde a memória, uma mulher trans e uma mulher negra que tentam não perder a fé na humanidade.
É um livro sobre muros que encarceram letras e sobre uma parede que separa o passado do futuro. Nas perdas, nos encontramos. Nos encontros, nos misturamos e, na mistura, nos perdemos do que achávamos ser somente nosso. Um pouco de nós no muito de todos. Sigamos juntos. O convite está feito.
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