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Um jeito bonito de dizer adeus nos passos da menina bailarina
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Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.

Um jeito bonito de dizer adeus nos passos da menina bailarina

Sobre o assunto, há uma frase perfeita, cunhada por Rachel de Queiroz: "A gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado"
Imagem ilustrativa de apoio. ParaTodosVerem: A imagem mostra um grupo de bailarinas em uma sala de dança, focando apenas nas pernas e pés delas. Todas usam meias-calças e sapatilhas de balé, algumas em tons claros (rosa) e outras em amarelo. Elas estão em posição de ponta ou meia-ponta sobre o piso de madeira. As saias variam de cor — rosa, azul e preta — e ao fundo aparece uma parede roxa, um espelho parcial e um ventilador (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Imagem ilustrativa de apoio. ParaTodosVerem: A imagem mostra um grupo de bailarinas em uma sala de dança, focando apenas nas pernas e pés delas. Todas usam meias-calças e sapatilhas de balé, algumas em tons claros (rosa) e outras em amarelo. Elas estão em posição de ponta ou meia-ponta sobre o piso de madeira. As saias variam de cor — rosa, azul e preta — e ao fundo aparece uma parede roxa, um espelho parcial e um ventilador

Minha filha Marcela é uma jovem mulher de 20 anos. E, por tê-la visto crescer, testemunho desde sempre as suas realizações. A personalidade e o talento para tudo que se propõe a fazer me fascinam. Um dia, já moça feita, decidiu dançar.

E, como é regra para as mães de bailarinas, passei a acompanhar as suas apresentações em festivais. Exceto o do ano passado, ao qual não compareci. Vai saber por que razão conspiratória do universo somente agora, nove meses depois, ela recebe a gravação do espetáculo e me convida para assistir.

Sentadas no sofá de casa, diante da TV, assistimos juntas ao "Identidade Raiz", assinado pelo Espaço de Arte Rossana Pucci, com temática nordestina — o que de cara me ganhou. As coreografias se sucederam num crescente, em encantamentos e arrepios. Lógico que, nas participações da Marcela, eu buscava identificá-la em meio à penumbra e aos fachos de luz, e, depois disso, meus olhos eram somente para ela.

Passadas as suas apresentações, uma homenagem tocou a minha alma. Encerrando o primeiro ato, o cenário é substituído por projeções de imagens caseiras, cenas de família ao redor da mesa, uma avó sorri e responde à pergunta que busca confirmar a sua canção preferida.

ParaTodosVerem: Uma ilustração mostra uma bailarina em ponta, usando collant e saia em tons de laranja, com os braços estendidos. Acima dela, aparece o desenho de uma casa simples, com telhado de duas águas e paredes brancas.(Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos ParaTodosVerem: Uma ilustração mostra uma bailarina em ponta, usando collant e saia em tons de laranja, com os braços estendidos. Acima dela, aparece o desenho de uma casa simples, com telhado de duas águas e paredes brancas.

No palco, passos delicados, de uma precisão hipnótica. O solo da menina bailarina plasmando a saudade na linguagem dos gestos, no instrumento do corpo, na substituição das palavras.

Mais do que um réquiem, foi um jeito bonito de dizer adeus, de fazê-lo em público. Porque devemos anunciar ao mundo a felicidade da chegada — motivo para os nascimentos serem tão celebrados — e, do mesmo modo, expressar a tristeza da partida. São os nossos momentos mais solitários, nascimento e morte.

Sobre o assunto, há uma frase perfeita, cunhada por Rachel de Queiroz: "A gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado".

A passagem de vinda e a de volta enfrentamos sozinhos, inclusive no caso de irmãos gêmeos, pois nasce apenas um por vez. Chegamos a este plano terreno a sós e sem bagagem. Assim também vamos embora.

Entre um momento e outro, está a necessidade humana de ter companhia, de compartilhar dores e alegrias, conquistas e perdas. É preciso dizer adeus coletivamente. A despedida comove de maneira indistinta, interessa a todos, inspira lágrimas inevitáveis nos que conviveram com quem se foi e nos que não tiveram esse privilégio.

Enquanto escrevo, os pés de Maria Teresa, em ponta ou meia-ponta, sustentam bem mais que o seu peso infantil, sustentam a falta. Suas mãos desenham no ar a presença de Angelina. Os saltos, giros, piruetas, rodopios, revelam que a vida é movimento, fluxo que pulsa nos músculos, não pode parar.

Pelo menos, até a mesura da inclinação final, quando os aplausos interrompem os versos cantados sobre alguém que "queria ter na vida simplesmente / Um lugar de mato verde / Pra plantar e pra colher / Ter uma casinha branca de varanda / Um quintal e uma janela / Para ver o sol nascer".

Foto do Marília Lovatel

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