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De nossas mãos nasce a liberdade
Foto de Marília Lovatel
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Marília Lovatel cursou Letras na Universidade Estadual do Ceará e é mestre em Literatura pela Universidade Federal do Ceará. É escritora, redatora publicitária e professora. É cronista em O Povo Mais (OP+), mantendo uma coluna publicada aos domingos. Membro da Academia Fortalezense de Letras, integrou duas vezes o Catálogo de Bolonha e o PNLD Literário. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2017 e do Prêmio da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – AEILIJ 2024. Venceu a 20ª Edição do Prêmio Nacional Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil - 2024.

De nossas mãos nasce a liberdade

Catarina Mina é o nome de uma mulher arrancada da Costa da Mina, África, para ser escravizada em São Luís do Maranhão, onde se tornou próspera comerciante. Com a venda de frutas e de farinhas — e extraordinário tino para negócios —, juntou a fortuna necessária à compra da própria alforria e libertou outros em igual condição. O nome dela em uma fachada de Fortaleza projeta simbolismos, evoca a capacidade de superação feminina. Contudo, foi a imagem da D. Bia, especialista em labirinto, confeccionado em Aracati, que cativou a minha atenção. A foto dela, enorme, ocupa praticamente uma parede inteira logo na entrada da loja.

Mina é também a flexão em terceira pessoa do singular do verbo minar. Em sentido figurado, cabe dizer que das mãos artesãs flui, se irradia, se propaga um saber que a moda de Celina Hissa potencializa. Seu projeto rompe os grilhões da invisibilidade que prendem artistas ao anonimato. Nas etiquetas das roupas penduradas nas araras, um QR Code apresenta quem fez a peça, dá nome, rosto, lugar, conta a história, algo que a todos deveria interessar.

Essa proposta reinventa "laços entre artesão, designers e toda a sociedade". Garante às rendeiras mais transparência sobre os custos e as etapas da produção, no intuito de valorizar o que nasce delas. Muitas deixam de realizar a venda individual direta — com ganhos bastante menores — e se fortalecem no fazer coletivo, adotam um modo de trabalho colaborativo que leva à autonomia financeira.

Fazer parte dessa rede — nela estão inclusos os consumidores — é um conceito que promove relações mais duradouras, estabelece elos entre grupos diversos, motiva ações comprometidas com o desenvolvimento sustentável, o respeito às pessoas e ao meio ambiente.

As Catarinas estão nas passarelas do Dragão Fashion Brasil e do SPFW, se espalham por toda a parte, presentes em 26 países, EUA, França, Japão, Dubai, Itália, Alemanha, só para citar alguns. Provam que a nossa arte encanta além-fronteiras.

A foto cobrindo a parede me fez retroceder a 2013, quando li uma notícia sobre a homologação de um recorde no Guinness: a renda gigante, a maior do Brasil, tecida em Aquiraz. Mulheres de diferentes gerações se revezaram na almofada de bilros por sete anos e oito meses. O resultado está enrolado na mesa-carretel que antes serviu de suporte a mil metros de fio elétrico.

Em 2016, lancei "A menina dos sonhos de renda", livro que escrevi inspirada nessa conquista. Com linha, elas escreveram para si uma nova história. E, a partir dela, fiz minha renda de palavras. Inesquecível o sorriso de D. Neném, passando com os dedos calejados as páginas. Um sorriso igual enfeita uma parede. Não só no jeito de rir se encontram D. Bia e D. Neném. Suas vidas se entrelaçam no mesmo labirinto de desafios diários. Poucas vezes o destino é justo em reconhecer quem luta contra a opressão, a pobreza, as mazelas de um mundo hostil às mulheres.

Com frutas, farinhas, rendas, palavras, somos Catarinas. É de nossas mãos que a
liberdade nasce.

Foto do Marília Lovatel

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