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A escravidão que ainda vive
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É mestre em Direito pela UFC e doutorado em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main. Atualmente é professor da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza

A escravidão que ainda vive

O Brasil é obrigado a conviver com o que há de pior de seus passado e presente. Sim, houve quem defendesse o trabalho escravo com argumentos racistas e xenófobos; condutas que já estão criminalizadas

Em 1882, após sua derrota eleitoral de 1881, Joaquim Nabuco escreve "O Abolicionismo" de seu autoexílio em Londres: "Com a escravidão não há governo livre, nem democracia verdadeira: há somente governo de casta e regime de monopólio". Saudosos monarquistas e liberais, que sempre viram no período imperial brasileiro um exemplo de democracia, fingem-se de mortos. E verdadeiramente o estão, após tão certeiro tiro de Nabuco.

As notícias de trabalho escravo no Brasil não surpreendem pela existência de uma cultura escravocrata entre nós. Surpreendem porque temos uma Constituição que não poderia ser mais clara em seu art. 243, após a Emenda Constitucional nº 81/2014: "As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º". Por quais razões não são aplicadas a Constituição e as leis para estes casos, ainda mais quando as normas são tão claras?

Certamente, o fato de ainda não se ter visto a aplicação desta previsão constitucional é que proliferam casos como os que se registraram no Rio Grande do Sul, mas que estão presentes em diversos pontos do País. O Brasil é obrigado a conviver com o que há de pior de seus passado e presente.

Sim, houve quem defendesse o trabalho escravo com argumentos racistas e xenófobos; condutas já criminalizadas no Brasil. E há sempre os que relativizam os crimes, com o conhecido "não é bem assim". Para onde olhamos, percebemos a naturalização da tragédia antimoderna em que estamos enredados, como se não nos houvesse futuro.

Talvez a mais dura tarefa do governo que se iniciou em janeiro seja a busca da retomada civilizatória que tentávamos construir, onde conceitos como igualdade de todos perante a lei tenham conteúdo material no nosso cotidiano, e não seja roubado exatamente por quem defende a escravidão. n

 

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