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Do Sul Global
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É mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutorado em Direito pela Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main. Atualmente é professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e Procurador do Município de Fortaleza

Do Sul Global

A condenação de Jair Bolsonaro e de seus cúmplices, que atentaram contra a democracia brasileira de junho de 2022 até 8 de janeiro de 2023, foi um raro caso de que se vive numa democracia madura, que é capaz de se defender
Encontro com o Senhor Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos da América (Foto: Alan Santos/Presidência da República)
Foto: Alan Santos/Presidência da República Encontro com o Senhor Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos da América

Há 40 anos, a justiça da Argentina construiu jurisprudência que influenciou o pensamento constitucional e político do mundo: a justificativa de que se cumpria ordens superiores não autoriza absolvição de quem cometeu crimes. Com outras palavras, restou estabelecido que quem torturou presos políticos, quem os assassinou responderá pelos crimes, assim como as autoridades superiores que deram as ordens para tal.

Ou que permitiram esta barbárie em estabelecimentos sob seu comando. Um ex-presidente e seus auxiliares foram condenados, presos e cumpriram as penas impostas por um julgamento que garantiu a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. A Corte Interamericana de Direito Humanos, instalada em setembro de 1979, é apenas mais um tribunal internacional que recepcionou esta orientação jurisprudencial.

Agora em 2025, foi a vez da justiça brasileira dar outro exemplo que merece ser comemorado. A condenação de Jair Bolsonaro e de seus cúmplices, que atentaram contra a democracia brasileira de junho de 2022 até 8 de janeiro de 2023, foi um raro caso de que se vive numa democracia madura, que é capaz de se defender, igualmente por um julgamento que garantiu a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

De 1963 a 1968, os conhecidos "processos de Frankfurt" conseguiram sentenciar apenas 789 pessoas dentre mais de 8.200 membros da SS, que executaram assassinatos nos campos de concentração. O promotor responsável pelos processos, Fritz Bauer, se revelou chocado com a compreensão dos juízes de que a Alemanha teria sido ocupada pelo nazismo, e não haveria alternativa a não ser cumprir ordens. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte mostrou sua indulgência com Donald Trump, o que encorajou o agora presidente dos EUA a perdoar os golpistas de janeiro de 2022.

Este conjunto de acontecimentos do presente e de um passado não tão distante, mostra diferentes aspectos O primeiro deles é o de que no Sul Global se produz reflexão intelectual refinada, e não apenas se recepciona - ou se copia - tudo que vem da Europa ou dos Estados Unidos. O novo constitucionalismo democrático latino-americano, desde 2008 com o reconhecimento dos povos originários, é outro caso. O segundo é que exatamente as ditas democracias liberais consolidadas se mostram incapazes de acertar contas com seu passado e por isso, são imobilizadas de agirem no presente.

Vieram, pois, do Sul Global, sempre visto com desconfiança e negligência, as teses de que o veredito das urnas é o elemento caraterizador da democracia, e que sem instituições que a defendam materialmente, a mesma democracia será apenas uma fachada, quando não destruída por dentro de seus próprios sistemas.

A lições do Sul Global advertem que a formalidade da legalidade é relevante. Porém, tão relevante quanto isto, é a atenta observação do conteúdo material desta legalidade e para quê ela serve. Se for para apenas emoldurar discurso e paredes de vetustas instituições, sem referência com o mundo de "carne e sangue", não se terá a estabilidade e a coragem que a democracia exige.

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