Ex-Ministra da Igualdade racial, no período entre 2003 e 2008, e, atualmente, professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro brasileira (Unilab). Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e Doutora Honoris Causa pela Fundação Universidade Federal do ABC (UFABC)
Nêgo Bispo apresentava sistemáticas críticas às morosidades para o atendimento às demandas dos quilombolas, como os processos de regularização das terras e o desenvolvimento das políticas públicas
Foto: Divulgação
Matilde Ribeiro, ex-Ministra da Igualdade racial. Atualmente professora na UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro Brasileira. Doutora em Serviço Social pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutora Honoris Causa pela UFABC - Fundação Universidade Federal do ABC.
A frase-título desse artigo é de Antônio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo), também conhecido como "semeador da palavra". As/aos quilombolas e as/aos aquilombadas/os lamentam sua morte, mas ao mesmo tempo confortam-se, porque ele deixou para quem quiser enxergar, a herança da coragem para viver e da ancestralidade.
Este importante brasileiro morreu de parada cardíaca, em 3 de dezembro de 2023, com 63 anos. Nascido Vale do Rio Berlengas, antigo povoado Papagaio, hoje município de Francinópolis (PI), viveu parte de sua vida como itinerante, depois retornou para sua cidade natal, onde tocava roça e cuidava dos assuntos da comunidade.
Terminou o estudo formal em escola pública, aos 18 anos, indo até o ensino fundamental. Vindo de família não alfabetizada, era apoio para as leituras e ações coletivas. Era um forte defensor da valorização da vivência em comunidade, da cultura popular, dos saberes adquiridos com a lida cotidiana, da tradição oral, da ancestralidade como alimento para a vida.
Nêgo Bispo era escritor, poeta, professor, ativista político, uma das principais vozes do pensamento quilombola no Brasil. Foi um dos fundadores da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e também integrava a Cecoq/PI (Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí). Apresentava sistemáticas críticas às morosidades para o atendimento às demandas dos quilombolas, como os processos de regularização das terras e o desenvolvimento das políticas públicas. Mas mesmo assim, declarou em uma entrevista: "nós, quilombolas, estamos vivendo o melhor momento de nossas vidas".
Outra faceta de seus posicionamentos políticos e teóricos foi provocar as estruturas institucionais, principalmente a academia, com suas bases em conhecimentos eurocêntricos. Confrontava o saber "clássico", criticando abertamente a incapacidade e a má vontade das universidades de conviver e adquirir novos saberes com os quilombolas.
Mesmo com intensa critica em relação à forma que o conhecimento formal chega ao povo, muitas vezes colonizando e excluindo, teve presença constante em palestras e rodas de conversas em universidades e demais instituições públicas, no Brasil e no exterior.
Defendia a poesia como forma de comunicação com o mundo, e, com ela dava voz e cor às palavras e as lutas negras e quilombolas. Com sua dinamicidade - publicou livros, participou de espaços de negociação por direitos das comunidades quilombolas em instâncias governamentais, dialogou com a mídia oficial e alternativa, e, cravou na sociedade brasileira ostensiva critica ao colonialismo e à escravização. E em suas atitudes, louvava a luta antirracista e anticapitalista.
Deixou como herança para as/aos quilombolas e as/aos aquilombadas/os a coragem e a criatividade para os enfrentamentos políticos cotidianos com a sociedade capitalista e o mundo globalizado. Em sua passagem por esse nosso tempo, traduziu efetivamente o que é Bem-Viver, e ainda a posição de que "outro mundo é possível"!
Por fim, vai um de seus legados poéticos - Fogo!… Queimaram Palmares, Nasceu Canudos. Fogo!… Queimaram Palmares. Nasceu Canudos. Fogo!… Queimaram Canudos. Nasceu Caldeirões. Fogo!… Queimaram Caldeirões. Nasceu Pau de Colher. Fogo!… Queimaram Pau de Colher… E nasceram, e nasceram tantas outras comunidades que os vão cansar se continuarem queimando. Porque mesmo que queimam a escrita. Não queimarão a oralidade. Mesmo que queimem os símbolos. Não queimarão os significados. Mesmo queimando o nosso povo. Não queimarão a ancestralidade!
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