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O prato que nos come
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Líder classista, empresário do setor de farmácias, é diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desde 2018

O prato que nos come

Esquecemos que cozinhar é um ato político, e que o alimento que colocamos na boca diz muito sobre o mundo que estamos ajudando a construir. Esquecemos da comida de verdade e como sinta falta da comidinha feita por minha mãe
Arte para artigo de Mauricio Filizola (Foto: DIVULGAÇÃO/MAURICIO FILIZOLA)
Foto: DIVULGAÇÃO/MAURICIO FILIZOLA Arte para artigo de Mauricio Filizola

A cena é simples: um prato vazio, talheres à espera, e mãos prestes a iniciar o ritual mais cotidiano e sagrado do ser humano — alimentar-se. Mas, diante do que se vê nos dados que saltam do jornal, talvez seja hora de perguntar: quem, de fato, está sendo alimentado — nós ou o sistema que nos engole?

Vivemos tempos em que o alimento deixou de ser conexão com a terra, afeto de mãe ou sustento do corpo. Tornou-se, muitas vezes, produto industrializado, ultraprocessado, empacotado com promessas falsas e disfarçado em sabores que iludem mais do que nutrem. E o corpo, este templo sutil, vira palco de desequilíbrios silenciosos.

A Organização Mundial da Saúde alerta: mais de 30% da população mundial está acima do peso. Não é só estatística — é um grito que ecoa entre rótulos e prateleiras, entre o “fast” e o “fake”. O que engorda não é apenas o corpo, mas a alma que vai se distanciando da natureza do que é simples, vivo e essencial.

A lista dos vilões é conhecida, mas não por isso menos ignorada. Batatas fritas — símbolo universal da indulgência rápida. Carnes processadas — recheadas de conservantes, mas vazias de vida. Refrigerantes e bebidas açucaradas — líquidos que não saciam, mas inflamam. Farinhas refinadas — que retiram o que o trigo tem de melhor. E os doces, cada vez mais abundantes, cada vez menos celebrativos.

A cada mordida nesses produtos, não só engolimos calorias vazias, como abrimos mão da responsabilidade de escolher o que realmente nos sustenta. A obesidade, o diabetes, as doenças metabólicas… são apenas sintomas visíveis de um sistema que se alimenta do nosso esquecimento.

Esquecemos da comida de verdade e como sinta falta da comidinha feita por minha mãe. Daquela que nasce da terra e não de uma linha de montagem. Do arroz com feijão, da fruta colhida no quintal, do cheiro do alho refogado no azeite. Esquecemos que cozinhar é um ato político, e que o alimento que colocamos na boca diz muito sobre o mundo que estamos ajudando a construir.

E quando o sabor da conveniência ultrapassa o sabor da saúde, precisamos reaprender. Reaprender a escolher. A dizer não ao que embriaga e sim ao que fortalece. Porque no fim, como diz o ditado, somos o que comemos — mas também somos o que deixamos de comer.

Quem não escolhe o que come, acaba sendo comido pelo que escolheu.

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