Logo O POVO+
O Alicerce enverga, mas ninguém quer ver
Foto de Maurício Filizola
clique para exibir bio do colunista

Líder classista, empresário do setor de farmácias, é diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desde 2018

O Alicerce enverga, mas ninguém quer ver

O Judiciário, confundido com palanque. O Legislativo, convertido em balcão. O Executivo, muitas vezes mais preocupado em apagar incêndios do que em construir caminhos. No meio disso, o povo ajustando o sofá, pendurando quadros tortos para disfarçar a parede torta
Praça dos Três Poderes passará por revitalização; edital é anunciado (Foto: © Valter Campanato/Agência Brasil)
Foto: © Valter Campanato/Agência Brasil Praça dos Três Poderes passará por revitalização; edital é anunciado

Era uma vez uma casa grande. De portas abertas, janelas largas, bandeira hasteada na fachada e vozes que ecoavam dizendo que ali morava a democracia. Foi erguida com suor, luta e sangue. Tijolo por tijolo, assentados por gerações que sonharam com liberdade, justiça e igualdade. Mas, aos poucos e quase sempre de forma silenciosa os pilares começaram a trincar.

Não houve um estrondo, nem um terremoto. Só o tempo e o desvio. Uma regra dobrada só dessa vez. Uma exceção aceita por uma boa causa. Um privilégio mantido porque sempre foi assim. E quando alguém ousava apontar as rachaduras no concreto da República, a resposta era sempre a mesma: Ah, mas é o Brasil, né?

A verdade é que fomos normalizando o desvio. Como quem vê a parede entortar e, ao invés de reforçar a estrutura, pinta por cima para disfarçar. Como quem sente o piso afundar e joga um tapete novo por cima. E assim seguimos maquiando os sintomas, ignorando as causas.

Mentiras políticas ganharam o status de narrativas estratégicas. Corrupções viraram falhas de comunicação. Grossura passou a ser chamada de autenticidade. E incompetência virou sinônimo de gestão fora da caixa. Aos poucos, o povo esse mesmo que um dia marchou pela redemocratização foi se acostumando. E o que era inaceitável passou a ser cotidiano.

O mais perigoso é que começamos a defender justamente aquilo que antes denunciávamos. Quando o anormal se repete, ele deixa de causar espanto e passa a ser normal. Um país que defende a impunidade de seus ídolos, que elege quem deveria estar se explicando, e que aplaude quem ataca as instituições, caminha com os olhos vendados rumo ao abismo.

Nossas instituições, que deveriam ser colunas mestras dessa casa chamada Brasil, também deram sinais de fadiga. O Judiciário, confundido com palanque. O Legislativo, convertido em balcão. O Executivo, muitas vezes mais preocupado em apagar incêndios do que em construir caminhos. E no meio disso, o povo ajustando o sofá, pendurando quadros tortos para disfarçar a parede torta.

Mas não deveríamos nos acostumar. Não deveríamos jamais achar que é assim mesmo. Porque cada desvio aceito cria um novo padrão. E quando o padrão é torcido, a ética vira miragem, a justiça se torna seletiva e o mérito vira motivo de desconfiança.

O Brasil corre o risco de se tornar uma casa bela só na pintura. Com discursos de progresso, mas alicerces corroídos pela indiferença. E casa que se mantém em pé apenas na aparência, um dia cai e quando cair, cairá sobre todos.

Se quisermos reconstruir, será preciso coragem. Para encarar as rachaduras. Para refazer os alicerces. Para lembrar que democracia não se pinta se sustenta.

Porque quando a estrutura enverga e ninguém reage, não é a casa que desaba.

É a esperança que sai pela porta dos fundos.

Foto do Maurício Filizola

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?