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Pequenos grandes lugares
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Cantora, compositora, jornalista. Lançou sete CDs (Mona Gadelha, Cenas & Dramas, Tudo se Move, Salve a Beleza, Praia Lírica - um tributo à canção cearense dos anos 70 e Cidade Blues Rock nas Ruas); o EP Tudo se Move 20 Anos Depois e vários singles. Fez Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará. É mestra em Comunicação (PPGCOM). Lançou o livro "Perfume Azul - Transgressão e Rock na Fortaleza dos Anos 70" (Edição FWA)

Mona Gadelha arte e cultura

Pequenos grandes lugares

Espaços de encontros fazem a arte (com amizade) pulsar em Fortaleza
Hifive no lançamento do livro de George Frizzo (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Hifive no lançamento do livro de George Frizzo

Sim, ainda estamos longe de ter uma cena musical alternativa/ independente/ underground (tudo isso junto) com a consistência que artistas cearenses desejam (sonham) e merecem.

Uma cena com longas temporadas de shows, sem concorrência predatória e aquela angústia de conseguir entrar na seleção de algum edital. Mas quando a gente se encontra em espaços com a vocação de se tornar lugares, a esperança bate (*). Porque ali dá pra sentir a força propulsora dos encontros, com a música sendo a protagonista, a real motivadora, capaz de transformar as relações de trabalho em amizade.

Senti esse cheiro de nova estação em maio na Hifive ouriçada (nota da autora: eu gosto de usar gírias do século passado, rs) no show do Kiko Dinucci em duas sessões, e no lançamento do livro de George Frizzo, Fortaleza Sônica - 50 anos de rock em Fortaleza.

Além disso, vivi momentos epifânicos, como o “papo de pesquisa”, de Gabe Monteiro, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), criador de uma roda de conversa que terminou em choro de emoção coletiva.

Distante do circuito dos grandes eventos nos igualmente grandes lugares cheios de multidão, esses “pequenos” espaços aproximam as pessoas, movimentam o imaginário de uma cena que pode ser real.

O livrão de mil páginas do Frizzo, que consumiu acima de uma década de pesquisa e muitos bônus de persistência, com mais de 200 entrevistas, descobertas “arqueológicas”, fotos raras, transformou a noite em uma verdadeira convenção intergeracional. Falo da proximidade entre as pessoas ser possível em lugares assim.

Muita conversa, fila de autógrafos, som do DJ Dado Pinheiro e show da banda Velouria na casa da Hifive, mas o povo já estava espalhado pela ruazinha da Vila Bachá.

Nessa nova “modalidade”, papo de pesquisa, Gabe reuniu Clapt Bloom, Rosabeats (Leo) e Lola Garcia, o trio Berlim Tropical, seu “objeto” de pesquisa in loco, para debater um artigo que parte de sua tese em construção, em que trata das territorialidades da música pop em Fortaleza a partir do grupo.

A abordagem é a amizade e cenas musicais, as relações entre “bonecas” que formam vales. “Amizades transformam espaços em lugares”, como ele disse, com todo mundo na roda concordando - e isso foi a inspiração dessa coluna de junho.

“Uma forma de sobreviver ao fazer música no terreno espinhoso que é a produção artística no underground do Nordeste brasileiro” - vai além. A conversa na Hifive terminou num chororô danado, porque ali a gente sabia da dor e das delícias de ser independente, e que sem a amizade a gente sucumbe.

 

Como arrematou Rosabeats, “a pesquisa do Gabe prova que a gente existe”. Marília Eskinazi, proprietária da HiFive, que também entrou na roda do choro, contou que o sonho dela era aquele ali, acontecendo no dia 28 de maio, “com as pessoas da música autoral da cidade se encontrando”.

Inaugurada onde resistiu bravamente a Livraria Lamarca, no Benfica, a Casa Mercúrio recebeu o show da banda Máquinas (Yuri Costa, Roberto Borges, Allan Dias, Ayla Lemos, Gabriel de Sousa) e várias outras performances na noite (Raisa Christina, DJ set de Clau Aniz, Rodrigo Tremembé, Loly Pop Urban Art) com o povo ávido pela música experimental-autoral cearense lotando a festa.

Como disse minha parceira artística Taís Monteiro, pesquisadora (também na UFPE), que assina capas e vídeos de vários trabalhos desse campo, “foi um show histórico” - por ser uma estreia vibrante, por essa resposta do público, obrigando a casa a limitar a entrada de mais pessoas que não paravam de chegar. É uma pista? é um sinal? espaços/lugares/encontros/amizade. Está tudo imbricado.

Claro que esse circuito parece-me que vem crescendo (também incluiria as livrarias Substânsia, Reticências, ambas no Centro Cultural Dragão do Mar, além do já consagrado Cantinho do Frango, na categoria “lugares”, assim como outros). E como sabemos que esses lugares surgem com o desejo de se desviar da efemeridade, longa vida! Apesar dos pesares, sou uma otimista incorrigível (uma pessoa que atua há 40 anos na cena independente precisa ser!).

(*) Para um interessante diálogo sobre conceitos de cena musical e espaços, leia a entrevista de Jeder Jannoti Jr. com William Straw. 

Foto do Mona Gadelha

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