
Colunista de Economia, Neila Fontenele já foi editora da área e atualmente ancora o programa O POVO Economia da rádio O POVO/CBN e CBN Cariri.
Colunista de Economia, Neila Fontenele já foi editora da área e atualmente ancora o programa O POVO Economia da rádio O POVO/CBN e CBN Cariri.
Quando pensamos em nossas formas de vida no digital, desde antes do vertiginoso imbricamento com as tecnologias que a pandemia nos lançou, é necessária atenção aos riscos que a geografia da internet pode causar do ponto de vista psíquico. Aqui, dois pontos específicos surgem no horizonte: a indeterminação das fronteiras entre o público e o privado e a fragilidade dos recursos afetivos de reconhecimento.
Como muitos pesquisadores indicam, os dados digitais são o novo petróleo para o século XXI. A extração deste valioso commodity segue a indeterminação geográfica dos muros que separam aquilo que definimos como público e privado. Aqui, não me refiro apenas à superexposição do “Eu” em redes sociais, mas também a nossa crença voyeurista de proteção à intimidade ao navegar “silenciosamente” pelas águas da internet. Ora, em uma economia globalizada, o principal mercado de consumo digital não está nas ofertas que recebemos diariamente: este é o funcionamento superficial que oblitera nossa visão para o plano de fundo desta problemática para nosso psiquismo. Nós somos o produto!
A forma como a experiência digital ocorre ergue muros invisíveis que segmentam e personalizam nosso comportamento na internet. Como observa Yuval Noah Harari, a engenharia social desenhada pelas gigantes de tecnologia montam o perfil de cada usuário a partir de parâmetros coletados por inteligências artificiais, baseando-se em cada clique, cada movimento ocular, tempo de estadia em uma página, a fim de prever nossos movimentos antes de nós mesmos. Dessa forma, uma inocente e inofensiva pesquisa no Google é o suficiente para que dados sejam coletados e parametrizados, nos segregando em condomínios digitais que limitam o conteúdo que recebemos em direção àquilo que a inteligência artificial acredita que “queremos ver”. Com isso, descobrimos que nas águas da superfície navegável da internet, nada foge ao radar do grande banco de dados, não há privacidade e não temos real ciência do que é feito com as informações coletadas.
Como consequência desta dinâmica, a vida no condomínio digital cria muros de indiferença baseados na seletividade de oferecimentos, filtrados por big datas, repetindo escolhas anteriores, tornando cada vez mais invisível a diferença. O digital se torna um inferno do igual, reduzindo o tamanho do mundo, o que acaba por aumentar o tamanho do Eu. Os recursos afetivos de reconhecimento, como, por exemplo, amar e ser amado, incidem diretamente na inflação narcísica em uma economia psíquica “condominizada”, reforçando crenças que não precisam de confirmação na realidade material. Afinal, segundo alguns movimentos que observamos nas redes sociais, não existe fake news, apenas uma “guerra narrativa”.
Nesse sentido, a contradição e a diferença devem ser aniquiladas, ou, na linguagem digital, deletadas. Aqui temos uma das chaves de leitura de movimentos de exclusão do outro perturbador que adentra os muros de nosso condomínio digital. Movimentos de cancelamento, de recusa da diversidade e o cyberbullying são - em uma paráfrase bem-humorada - “sinais, fortes sinais” desta patologia da gramática de reconhecimento no digital.
Trago para você o fato econômico e seu alcance na vida comum do dia a dia. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.